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Séries e Filmes

Resenha: “O destino está escrito em sua testa”, a ressignificação do feminino na série Daughters of Destiny

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Foto: Laura Santos | Quando Nuvem

Vivemos em um país onde as desigualdades de gênero existem e se mostram presentes em muitas esferas. No mercado de trabalho, por exemplo, temos as diferenças salariais, nas atividades domésticas, as jornadas duplas, na criação dos filhos, tantas vezes uma dedicação unilateral, sem contar as diversas crianças que não possuem o nome de seu pai no registro de nascimento. Essas são questões com as quais a maioria de nós está familiarizado, porque é o que podemos (vi)ver diariamente.

Daughters of Destiny me trouxe uma realidade por vezes esquecida, a das mulheres que não moram no mesmo território que eu. Pude receber uma nova percepção sobre a Índia e sobre como a educação é a única ferramenta capaz de mudar o mundo. Mesmo que essa mudança seja lenta, em oposição aos nossos temores, tão rápidos e ferozes em nos consumirem.

A minissérie documental possui quatro episódios e é uma produção original da Netflix. Dirigida por Vanessa Roth, narra a história de um grupo de meninas na Índia que pertencem a uma classe economicamente pobre e socialmente considerada “intocável”, os Dalits. Esse sistema de castas, tão misterioso para nós do ocidente, exerce forte influência sobre a vida de homens e mulheres. O que o torna mais complicado é o fato da sua afirmação acontecer através de uma sentença espiritual: “o destino está escrito em sua testa” desde o seu nascimento. Apesar de não ser respaldado constitucionalmente, está culturalmente enraizado na população, principalmente nas que ocupam as áreas mais rurais.

Se esse sistema afeta tão severamente a todos, ele consegue ser ainda mais cruel com as mulheres. Muitas meninas deixam de frequentar a escola ainda crianças porque suas famílias compreendem que elas já aprenderam tudo que precisavam. Passam a se dedicar às tarefas domésticas porque o casamento se torna o único objetivo de vida estabelecido ainda em seu primeiro lar. Aprender a ser uma boa esposa é o que lhes resta. Não têm voz para externar seus anseios, sofrem inúmeras violências e são silenciadas. A Índia é considerada um dos países mais perigosos para as mulheres no mundo inteiro.

Sei que essas informações são alarmantes, mas para entender o porquê deste documentário ser tão impactante, era necessário estar a par desse contexto. No entanto, nesse momento, quero trazer o sopro de esperança que recebi ao ver essas histórias serem contadas em minha frente, mostrar o quão significativas elas são.

Uma escola chamada Shanti Bhavan, fundada por um homem chamado Abraham George. Cuja missão é tornar possível a educação de qualidade para as crianças menos favorecidas economicamente, as consideradas “intocáveis”. Amparando-as desde o ensino infantil até uma educação universitária de ponta, muitas dessas são as primeiras em suas famílias a pisarem em uma universidade. A escola é mantida através de doações e trabalho voluntário. Cada aluno passa a viver no local e visita sua família nas férias. No ensino superior são mantidos pela instituição, até que consigam um emprego estável e possam se tornar os provedores de seus lares, tirando-os da condição de miséria.

Foto: Laura Santos | Quando Nuvem

Cada núcleo familiar só pode ter uma criança matriculada na escola. A ideia é a de que o máximo de famílias possível possa ser beneficiada de alguma maneira. É compreensível quando tentamos perceber o coletivo, mas não há como isto não trazer algumas dores consigo, pois a realidade em que se encontram é extremamente dura e injusta.

Os que estudam na instituição vivem em constante dilema, dentro dos muros da escola são tratados como iguais, mas para além, são discriminados por suas origens. Carregam a responsabilidade de retribuir o “privilégio” recebido, porque a mudança em sua comunidade natal depende do que cada um irá fazer com o que recebeu ainda pequeno. 

Uma nota que gostaria de fazer é: a ausência do Estado é evidente em todas as realidades em que a educação se torna uma vantagem de poucos. A mudança que nós acompanhamos acontece a partir de uma emancipação que é validade não pelo poder público, mas por um movimento que acontece na própria camada que é afetada pelo descaso. 

Como colocado anteriormente, tudo isso é ainda mais intenso da perspectiva feminina e essa que nos é apresentada. Como mulher, fui tocada pela vida de cada menina que vi, como pessoa, fui impactada por essa força maior de saber que os direitos humanos devem prevalecer acima das desigualdades. O desejo profundo de que mais crianças possam ouvir que Deus não as fez menos valiosas do que outras, que essa é uma invenção do homem para poder dominar seus semelhantes. Suas liberdades importam tanto quanto as de qualquer um e elas têm a mesma capacidade intelectual de alcançarem lugares altos. A única coisa que separa meninos e meninas é a oportunidade.

Foto: Laura Santos | Quando Nuvem

Temos muito a trabalhar ainda, em nossa própria nação, mas cada vez mais precisamos nos mover desse lugar confortável e entender que existem coisas gigantes acontecendo no tempo do nosso piscar de olhos. Não podemos ignorar uma dor por ela não ser nossa, nem minimizar os efeitos doentios de uma sociedade dividida. Daughters of Destiny deve ser pensada, assistida e transformada, não é apenas sobre uma série. É sobre o que de mais triste em nosso planeta precisa ser tratado. 

Esta postagem é uma parceria com a Quando Nuvem

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