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Saúde

Profissionais de saúde X COVID-19: o olhar de um médico veterano sobre a pandemia

Publicado

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 11 de março de 2020, pandemia de COVID-19. Semanas antes, ainda em 26 de fevereiro, era confirmado o primeiro caso da doença no Brasil, pelo Ministério da Saúde; em 12 de março, a Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) e a Secretaria Municipal de Saúde de Natal (SMS) confirmam o primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus no Rio Grande do Norte; em 28 de março, pouco mais de um mês após a chegada da infecção ao país, o estado registrava o primeiro de 2.666 óbitos (até a data de produção desta reportagem) dela decorrentes. 

Com 40 anos de prática médica, o Doutor João Cláudio Martins da Silva, 64, profissional de saúde formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), é clínico-geral e possui pós-graduação em Sexologia. Ele já atuou no combate a outros surtos de doenças como AIDS (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida); Zika, Chikungunya e dengue (transmitidas pelo mosquito Aedes Aegypti); além de demais viroses epidêmicas. “Ser médico é um constante desafio”, afirma. “A medicina de hoje é totalmente diferente de 40 anos atrás, tanto nas doenças quanto no progresso dos processos diagnósticos e terapêuticos. Não se pode prever qual o provável maior desafio, e sim o que se pode fazer em relação a ele. Vale o velho e romântico ditado: “na Medicina, como no amor, nem nunca, nem sempre”, completa. 

Dr. João Cláudio, 64, em dia de ação de saúde para atender aos refugiados venezuelanos em Natal, na Unidade Básica de Saúde de Candelária/Foto: Arquivo Pessoal

COVID-19

De acordo com informações disponíveis no site do Ministério da Saúde, raramente os coronavírus que, essencialmente, infectam animais, podem infectar pessoas. Recentemente, em dezembro de 2019, houve a transmissão de um novo coronavírus (SARS-CoV-2), o qual foi identificado na China e causou a COVID-19, sendo em seguida disseminada e transmitida entre humanos. 

A COVID-19 é caracterizada por um espectro clínico que pode variar desde infecções assintomáticas a quadros graves. “Como não se sabe ao certo a origem desta doença, também não se sabe, até hoje, inclusive, como se comporta, qual seu prognóstico, o que vai ou não funcionar”, ressalta Dr. João. De acordo com ele, a evolução e o comportamento da doença dependem de cada organismo: “não é como uma dor, que todos podem ou não ser tratados e curados com analgésicos”, conclui. 

“Desconfiei que não seria fácil. Sem conhecê-la, não se poderia saber como enfrentá-la”, conta. O médico, que também é sanitarista e assistiu à criação do Sistema Único de Saúde (SUS), ao qual descreve como “teoricamente, um sistema perfeito”, admite que, no Brasil, não há uma boa vigilância sanitária: “a saúde pública foi sucateada durante décadas”, diz. “Qualquer nova doença que chegue no Brasil, complica”, relata. Para João, pessoalmente, evolução da pandemia da COVID-19 não era sequer mensurável, a princípio. Em sua opinião, “tanta irresponsabilidade nas decisões, condutas e comportamentos adotados” contribuíram para a sua trajetória no país.

Um médico do grupo de risco

Além de se enquadrar como grupo de risco por ser idoso, João Cláudio é hipertenso, portador de doenças ligadas à tireóide, ao coração, à próstata e à alta concentração de lipídios no sangue. Medicina é sua vocação, segundo ele: “fiz minha graduação para salvar vidas. Quando decidi, na infância, ainda, nem sabia que rolava essa coisa de dinheiro”, conta. Ao se descrever como idealista, João se sente frustrado por não poder estar atuando mais ativamente na pandemia: “gostaria de poder fazer mais pelos doentes”, diz. “Mas fazer o quê? Tenho que me resguardar”, lamenta.

“Desde o começo, tenho tentado agir dentro das normas éticas e técnicas da Medicina. A princípio, por força de decreto, me afastei dos doentes suspeitos da pandemia. Trabalhei em pronto-socorro por três meses, mas parei, no auge da primeira fase”, relata. Ainda com restrições, Dr. João voltou a atender, apenas ambulatório, após seis meses. Atualmente, com a reabertura da marcação de consultas gerais, e, com o aumento de casos, a palavra escolhida pelo médico para definir a situação foi caos; “os serviços de saúde estão permitindo que suspeitos e doentes da COVID-19 permaneçam sem separação dos pacientes com outras doenças. Nós, profissionais de saúde, temos que nos virar com os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) disponíveis”, desabafa. 

Quando perguntado sobre a perda de colegas, acontece mais um momento de emoção: João Cláudio perdeu, no início da pandemia, uma grande amiga, colega de turma, médica dele e de sua família. “Alguns outros colegas de profissão, conhecidos e muitos desconhecidos. É uma doença terrível, a ciência precisará trabalhar muito para controlá-la”, aponta.

Religioso, o médico afirma que não perdeu as esperanças para o combate à COVID-19: “Deus nos colocou no mundo para tratar das pessoas. Alguma coisa mais efetiva surgirá. Agora, precisa tempo”, conclui.

Selfie em momento entre consultas, mostrando as medidas de segurança tomadas por ele para poder atender pacientes/Foto: Arquivo Pessoal

Perspectivas

Na última sexta-feira (27/11), a Sesap divulgou um boletim epidemiológico informando o segundo maior registro de casos de Covid-19 desde o início da pandemia: ao todo, foram 3.880 casos confirmados no Rio Grande do Norte. A respeito de uma provável segunda onda de contaminação, João acredita que, apesar desse crescimento, entre pacientes e profissionais, se aprendeu muito na primeira fase e que os erros serão minimizados. “Isso não exclui os riscos potenciais de mais uma das infecções causadas pelas mutações do coronavírus. Outros erros poderão ser cometidos, somando aprendizado para novas fases da pandemia”, comenta.

Questionado sobre a erradicação da doença, o médico é sucinto: em sua opinião, ela não sairá de circulação: “[a COVID-19] vai conviver com as gripes, a AIDS, as hepatites, a tuberculose, a sífilis, enfim, todas as infeçções que vivem há mais de 20 séculos, fora as outras que estão por vir”, completa. 

Prevenção, cuidados e recomendações dentro de casa e no geral

João Cláudio mora com mais seis pessoas de sua família – dentre elas, uma idosa asmática e mais dois pacientes que se enquadram no grupo de risco para a COVID-19. Desde o início da pandemia, a família se isolou e, quem precisou sair, o fez apenas por questões essenciais. Médico da linha de frente no combate ao coronavírus, ele trabalha e tem contatos nas redes municipal, estadual e privada, possibilitando que tenha acesso a atualizações em tempo real e por meio de fontes confiáveis. 

Apesar de ter informações verificadas em primeira mão, João relata passar por dificuldades mesmo dentro de casa: “é difícil concorrer com as notícias falsas e pesquisas na internet, no ‘Dr. Google’”, ironiza. No entanto, mesmo com certo grau de resistência, ainda está sendo possível seguir as recomendações de prevenção e proteção da OMS, Sesap e SMS.

Ainda segundo o médico, o mais importante que se pode fazer, individualmente, para evitar um novo aumento de estatísticas no estado e, consequentemente, no Brasil, é cumprir o isolamento social, usar máscara, higienizar as mãos com álcool 70% ou água e sabão e, principalmente, respeitar e seguir a orientação dos profissionais de saúde: “é fundamental escutar quem está diagnosticando, tratando e acompanhando dezenas de pessoas que estão realmente precisando de apoio profissional”, conclui.

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