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Séries e Filmes

Das séries que assistimos e não sabemos explicar

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Foto: Laura Santos

Talvez seja comum a sensação de assistir a algo e não saber definir com precisão qual o sentimento causado, ou de fato, uma opinião sobre o visto. Sabemos dizer quando não desgostamos, porque se fosse um desgosto conseguiríamos proferir claramente: “detestei aquela série”, “não sei porque perdi tanto tempo assistindo a isso” e assim por diante. No entanto, há também momentos em que não nutrimos uma paixão louca, embora exista uma curiosidade que nos faça ficar presos à narrativa, aguardando ansiosamente a próxima temporada. Tive essa experiência com duas séries recém-lançadas pela Amazon: Little Fires Everywhere Tales from the loop. Tentarei sintetizar minhas razões em alguns aspectos que levantei sobre as duas.

Little Fires Everywhere tem um ponto de partida que pouco importa no desenrolar da história, um incêndio intencional na casa da família Richardson, cuja suspeita maior recai sobre a filha mais nova do casal, a jovem Izzy. O ano em que o enredo começa é 1997, em uma cidade chamada Shaker Heights, em Ohio, nos Estados Unidos. Passada a cena inicial, a trama retrocede em 4 meses, acompanhamos o aparecimento de Mia Warren, interpretada por Kerry Washington, e sua filha adolescente Pearl, interpretada por Lexi Underwood. 

Foto: Laura Santos

A chegada da mãe e filha se torna um mistério para Elena Richardson, interpretada por Reese Whiterspoon, Mia é de fato uma mulher misteriosa. Por coincidência, ela acaba encontrando uma casa para alugar que pertence a Elena. Essa é a parte da história onde todos os acontecimentos ganham fôlego na série. Um dos aspectos abordados é o racismo estrutural, pois em Shaker, todos se gabam de viver em uma comunidade livre de preconceitos, mas aos poucos as relações vão mostrando que não é bem assim e a sutileza do racismo está presente em muitos atos.

No entanto, o que ganha ainda mais força no drama é a discussão sobre maternidade. Elena tem quatro filhos, e aparenta ser a mãe perfeita, aquela que abdica de tudo por amor incondicional e sempre foi assim. Mia, é uma mãe solteira, que esconde de sua filha muito do seu passado, e encontra nela a única companhia fiel. Só entendemos de fato a natureza dos comportamentos de cada uma quando a série nos faz regressar a juventude de ambas. Além das tramas pessoais delas, ainda há a gerada pelo encontro da dupla. 

Explicando melhor o proposto no parágrafo inicial. Essa definitivamente é uma série feita para incomodar e consegue. Passei os oito episódios que formam a temporada sob tensão, um sentimento desagradável, misto de “não quero ver o que vai acontecer” com “mas eu preciso saber”. A verdade é que nem sempre a tensão vira um problema realmente, ela só não nos abandona nunca. Outro fator é que todos os personagens são complicados demais, a grande maioria parece estar presa em um loop de “não devo satisfação a ninguém” com “não estou nem aí com a sua vida”, ao mesmo tempo que querem sempre influenciar as pessoas que estão ao redor. Essa tensão proposital é ao mesmo tempo algo positivo e negativo.

Foto: Laura Santos

Na maioria do tempo, para além das discussões sociais e salvo algumas exceções de personagens, eu só conseguia pensar “tudo seria tão mais simples se essa pessoa não fosse ou tão chata, ou tão manipuladora ou tão mentirosa”. Talvez meu incômodo seja o de não conseguir me prender a um personagem durante toda a série. Mia como artista é excepcional, mas não há como negar que ela também criou uma obsessão por Elena. Assim como Elena sempre se considerou superior e exerceu uma falsa bondade em muitos momentos, movida mais por vaidade e manutenção de aparências do que qualquer outra coisa. E nenhuma das duas jamais se importou de verdade com um laço possível entre elas. Os laços mais sinceros são outros, que realçam o contraste que a série propõe acerca da maternidade.

Estamos acostumados a acompanhar a jornada do herói perfeito, imaculado, que vence as batalhas e chega à redenção. Sei disso. Mas não significa que eu sinta falta de uma personalidade pura, alegre e bondosa em todas as horas. Não é esse o aspecto que sinto falta na série. Ou talvez seja em parte, pelo fato das personagens estarem muito presas no individual, impedindo o acesso de outras pessoas, inclusive dos espectadores. Como disse, não desgostei da série e ela cumpre bem a proposta, quero ver as próximas temporadas. Mas não sei nomear o tipo de afeto que criei por ela.

Já Tales from the Loop tem o poder de mexer com emoções tristes e desesperanças. É algo que eu continuaria a ver, mas que sei da capacidade que tem para me deixar olhando para o teto pela hora seguinte. É uma narrativa de ficção-científica que acontece em uma suposta década de 1980, com ares incomuns e surreais, nas proximidades de uma instituição chamada The Loop, que em nossa realidade seria algo como um acelerador de partículas, onde acontecem experimentos utilizando uma espécie de pedra metálica, cuja grandeza nem todos conhecem, mas envolve a vida de toda a cidade. Viagens no tempo, mundos paralelos e inteligência artificial, tudo isso está presente na narrativa.

Foto: Laura Santos

Apesar de ter um ritmo extremamente lento, todas as tramas acabam se unindo em algum momento. Talvez não da forma que esperássemos, mas considero o espaço para que outras temporadas tenham gancho para de alguma forma sempre girar em torno do núcleo familiar principal. 

O que me incomodou na série é o fato de alguns acontecimentos não serem tão explorados ou explicados, como o episódio inicial, apresentando uma garotinha perdida de sua mãe. Esperava encontrá-la em algum outro momento (sem spoiler). Ou o episódio sobre uma menina que consegue parar o tempo, achei a premissa deste extremamente superficial, mas não entrarei em detalhes para não estragar nada aos que forem assistir. 

No geral, é uma série que causa um certo mal estar, tanto por algumas superficialidades da trama, em contexto e execução, como pela melancolia que os episódios têm, embora alguns se destaquem mais que outros. De certo modo, sei que essa série tem pontos que consigo identificar melhor porque não amei, do que a anterior. No entanto, também sei que minha curiosidade em acompanhá-la continuará.

Foto: Laura Santos

Escrevo sobre impressões iniciais que estão abertas a mudanças. Porque tantas vezes ao conversarmos com outros conseguimos expor melhor nossas incompreensões. Porém, não descarto o fato de que nem tudo precisa de uma explicação fechada e talvez as experiências que tive com essas séries se encaixem nesse quesito. E tantas outras ainda estão para aparecer, inomináveis, sendo isso bom ou ruim. No mais, continuarei na busca pelas boas sensações e as incompreendidas. 

* As duas séries são baseadas em livros. Mas o diferencial de Tales From the Loop é que, além de ter sua inspiração em um livro de ilustrações de Simon Stålenhag, também pode ser encontrada no formato de um jogo de interpretação, comumente conhecido como RPG.

O livo Pequenos Incêndios por Toda Parte e o RPG Tales From the Loop baseado nas artes de Simon estão disponíveis aqui: https://amzn.to/2ZnvtAV e aqui: https://amzn.to/3dQnd1s ambos em português. As séries estão disponíveis na Amazon Prime Video. Experimente: https://amzn.to/2VB6rxL

Este texto é uma parceria com a Quando Nuvem

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