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Séries e Filmes

Black Girl: Um lembrete óbvio, sutil e artístico sobre colonialismo, escravidão e racismo

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No último domingo foi celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra. A data escolhida, 20 de novembro, marca a morte do líder Zumbi dos Palmares, que lutou pela liberdade da população negra e pelo fim da escravidão no Brasil. O dia é simbólico, mas a reflexão sobre diversidade racial é necessária a todo momento, pois quando a gente pensa que avança, dez passos são dados para trás. Basta ver os episódios diários generalizados de racismo. Nesse sentido, os filmes são excelentes canais para a compreensão das marcas deixadas por essa instituição tão violenta e desumana.

Hoje vou falar de um, em especial, poque ele retrata bem como a sociedade branca foi construída em cima de explorações e opressões. Black Girl, cujo título original em francês se traduz como “A Garota Negra de…”, foi lançado em 1966, um pouco depois que Senegal conquistou a sua independência da França (1960), pelo diretor senegalês, Ousmane Sembène, considerado o Pai do cinema africano.

A produção narra o destino de Diouanna (Mbissine Thérèse Diop) uma jovem sonhadora de Dacar, que aceita trabalhar como babá para um casal francês, na Riviera Francesa, e lá se vê em choque com a estrutura do racismo que a mantém confinada na casa da família, executando todo tipo de tarefa doméstica, diferente do acordado entre ela e os patrões.

O filme narra seu sonho por uma vida diferente na saída do Senegal versus o amargo da realidade encontrada numa Europa que marginaliza e inferioriza as populações africanas. Um parêntese aqui para destacar que minha torcida será sempre pela África, num jogo entre os dois continentes. Fiquei triste com a derrota do Senegal para a Holanda, ontem, e esse fato me remeteu à Black Girl mais uma vez.

Destaque para o figurino

O desempenho emocionante da atriz é amplificado por um guarda-roupa de vestidos preto e branco impecáveis, à la anos 60, e que exerce um papel relevante. Diante de uma rotina repetitiva e percebendo que sua vida na França se resume à servidão e humilhação, Diouana vai se deprimindo, porém, de maneira oposta, há também um significado no ato de se vestir.

Ao colocar seus brincos de girassol, seu colar de pérolas e salto alto, ela parece se sentir empoderada. Talvez seja a única forma de enganar a si mesma da realidade em que vive. Sempre ríspida e incomodada com a estética de Diouanna, sua patroa exige que ela fique descalça e use um avental por cima, cravando ali sua autoridade. Acho que isso rende uma boa análise sobre moda decolonial. Não pela imposição de uma nova estética, mas pela privação de uso de objetos e roupas, prática comum nos processos de colonização.

Referência na Cultura Pop

O Filme “Que horas ela volta” lançado em 2015, escrito e dirigido por Anna Muylaert, foi muito comparado à obra de Ousmane, pela questão da crítica à servidão. Também já li que o ator e diretor americano, conhecido por articular racismo em suas obras, Jordan Peele, se inspirou na máscara presente no filme para produzir o longa “Nós”. Na moda, o estilista Victor Glemaud, um haitiano imigrante nos Estados Unidos, apresentou, ano passado, na Semana de Moda de New York, uma coleção inteira inspirada nas roupas e nos turbantes da personagem. Sem dúvidas, o desfile mais rico do evento. Outra referência são os brincos de margaridas, tão marcantes no rosto de Diouana. Eles foram inspiração para o figurino da personagem Ivone, interpretada por Larissa Nunes, na segunda temporada da série “Coisa Mais Linda”.

Black Girl é triste e assombroso, mas é um lembrete óbvio, sutil e artístico, com menos de uma hora, sobre colonialismo, escravidão e racismo. Gostaria muito que fosse visto por quem acha que “O Dia da Consciência Negra” não deveria existir. Sim, ainda escutamos isso. O filme está disponível no Mubi e no Youtube, em francês com legenda em inglês, segue link:
https://www.youtube.com/watch?v=aPcUIaNbeLA

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