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Com a palavra, Luiza

Ninguém te pediu profundidade, Luiza!

Publicado

Foto: Maxim Boldyrev de Pexels

Nem sempre dá para saber ou distinguir se estamos caindo na traição das imagens ou se estamos apenas enxergando com o que há de sensível em nós. Se estamos persistindo por cegueira escolhida ou permanecendo por sermos inteiros demais naquilo que somos. O perigo é que o que parece excesso, muitas vezes,  é só o que é honesto e sem disfarce, real como é. E o que se pauta em discursos fabricados e enganosos, parece música para os nossos ouvidos – e ego.

É nesse lugar que há quem diga estar no controle, mas insiste em ofertar pérolas a quem só sabe manejar aquilo que não passa de superficial. Também há quem diga que está se resguardando, quando, na verdade, está erguendo barreiras intransponíveis que nem a própria bondade consegue entrar, imagine o que vem de verdadeiro do outro?

Preservar aquilo que é o centro da nossa alma exige um tipo de discernimento que não nasce espontaneamente e não se aprende em livros de “Como aprender a ler o coração em 21 dias”. Há algo quase genético em nós que nos impele a seguir os seus impulsos de forma até instintiva.

Cuidar desse lugar, que é a parte mais viva do nosso espírito, significa ter a coragem de executar aquilo que diz: não se protege a alma se trancando. Mas também não se deve oferecê-la como se não houvesse consequência. Porque há. Sempre há. E é preciso estar muito acurado para distinguir o joio do trigo, o que é e o que não é.

Por isso não se diz “siga o seu coração”. Diz-se: “guarde-o”. Afinal, ele é o lugar mais fértil e o mais frágil de todos. O coração também é astuto: para nos agradar, faz parecer que é o momento certo, quando é só distração disfarçada por um grande senso de urgência. Faz parecer que é cuidado, quando é apenas controle. Faz parecer que é reciprocidade, quando é só utilidade travestida com ares de afeto.

É inegável: a razão consegue ser mais precisa e menos manipulável, por isso que não depende tanto do contexto para discernir aquilo que se apresenta. Diante desse mar de subjetividade, prego batido e ponta virada: zelar por si é parar de tentar ocupar lugares ou situações em que a nossa presença precisa ser justificada. É respeitar a linguagem que nos é mostrada, mesmo quando ela diz que não pretende nos encontrar no mesmo lugar e talvez nunca tenha pretendido.

Zelar o coração raramente é uma atividade leve. Quase sempre exige desfazer idealizações alicerçadas, ressignificar expectativas pessoais e encarar frustrações que evitaríamos a qualquer custo. Às vezes, esse zelo começa quando percebemos termos sido, de algum modo, deixados de lado – não por falta de valor próprio, mas porque o outro não tem a linguagem ou a presença ou a extensão emocional que merecemos.

Talvez seja nesse limite tênue que a maior lealdade a si não esteja em insistir, mas em recuar e sair de cena. Fato é: há momentos em que o que nos preserva é lembrar e repetir quantas vezes forem necessárias: com o nosso coração não se negocia.

 É verdade que não protege a alma se trancando. Mas também não se deve oferecê-la como se não houvesse consequência. Porque há. E, depois de negociá-lo, será preciso estar muito mais acurado para distinguir o joio do trigo, o que é, o que não é e o que nunca foi.

Surgiu agora o que costumo evitar, mas não nego quando vem: a necessidade de falar em primeira pessoa. Não por vaidade, mas porque há temas que só podem ser ditos a partir do próprio lugar. E não há nada mais meu do que esse impulso de me expressar, mesmo quando o desconforto tenta calar. Nomear o que vive em mim, em nós e no mundo é o que me faz me  (re)encontrar, pela palavra, pelo dito e até pelo não dito.

Entre tamanhas complexidades e alguns encantos, nasci com o que me faz visceral, impetuosa e entregue de coração inteiro. Caminho com uma verdade que não aprendeu a se policiar além do necessário para manter a educação e uma lealdade que permanece até quando nem deveria mais, o que não me orgulho. Se estou, estou de corpo e alma. Não aprendi a parecer o que não sou. E, se eu resolver estar, será por escolha, não por conveniência.

Renuncio com facilidade ao que é meu se for para contribuir com o que ou com quem realmente importa, que sinto como ambivalente: necessário, mas até que ponto? De toda forma, é apenas um traço que ainda busca o equilíbrio entre a generosidade e o risco do autoabandono.

Entre o que custa e o que conta, talvez seja esse jeito de enxergar o outro que me dê essa característica que não sei se é virtude ou defeito: a de estar, de fato, presente. Presente na rotina, nos bastidores, no que ninguém vê, mas também quando há palco, nas pequenas e nas grandes coisas. Para mim, presença é sinônimo de partilha.

Nesses dias, estava lembrando que desde muito cedo e até hoje, tenho a tendência a me proteger do que é performático demais, protocolar demais, imprevisível demais e formal demais. É certo que posso ter me enganado incontáveis vezes, mas o que é isso a não ser guardar o coração?

Com o tempo, compreendi que essa parece ser uma boa parte de funcionamento da sociedade e, ainda que muitas vezes, meu espírito tente me convencer a endurecer, eu me lembro: eu sinto até o medo de não sentir. E sinto até quando acho que não. E com a fé de quem ainda crê na vida, de quem decide permanecer sensível, mesmo quando a frieza parece oferecer todas as provas e contraprovas de que é mais segura (e menos viva), persisto. 

Com a mesma força com que me vi tantas vezes inadequada, estou aprendendo a ver que ser quem sou tem uma potência tamanha que não há o que transmute, deforme em definitivo ou me afaste de vez da minha natureza.

Por isso, em tantos momentos eu me irresigno, mas em tantos outros, penso: ainda bem! Porque vivemos em tempos em que o ideal é se conter para não parecer demais; desconfiar de tudo e de todos virou mandamento; e o oráculo social diz que se dar por satisfeita com menos do que o mínimo, se não for dinheiro, luxo, poder e fama, é o que há de mais moderno e usual.

Seguir esses ditames garantiria a entrada na caixinha que circula bem, vende bem, encena bem. Mas, no fim das contas, de que adianta conquistar o mundo inteiro, se o preço é afastar-se ou perder-se de si?

É nesse cenário que fica evidente: ser minimalista também na alma se tornou uma cobiçada virtude. Por isso, ser como sou sempre pareceu inadequado. “Demais”, “intensa”, “dramática”, “emocionada”, que ainda são um incômodo para quem é blasé. Mas eu nunca fui assim. Já nasci acontecendo.

Mesmo sabendo onde tropeçamos, enquanto nos lançarmos com a consciência de que, daquela vez, escolhemos arriscar, haverá vida em movimento. E sim, vamos errar. Vamos confiar em quem não sustenta. Vamos entregar o que temos de mais genuíno a quem não cuida; vamos querer agir conforme esperam que sejamos. E sim: Vamos ser contraditórios, fique tranquilo (a)!

Por mais paradoxal que pareça, viver com esse risco calculado de sentir, experienciar e agir mesmo assim, também é uma forma de guardar o coração. O erro vivido com consciência ensina mais do que mil acertos no automático… Há sabedorias que só nascem da dor que não conseguimos evitar.

Tanta autenticidade para não me considerar resiliente, ser hesitante, cheia de receios e, por vezes, tão, tão frágil? Sim. Só que ainda assim, há algo em mim que nunca se descola de quem sou, nem do meu coração. O que é o sopro do nosso espírito não é dicotômico, nem contraditório, pelo contrário: tudo caminha misturado, nada se excluí,  tudo se contém e em tudo é contido. E como nada parece driblar esse gênio indomável, com intensidades, verdades e entregas… Por que não fazer disso o meu charme?

Nota da autora: Incapaz de praticar o poder de síntese, a epígrafe teve que ficar ao final.

Epígrafe: Você até tentou seguir o script. Mas durou só o tempo de abrir três cronogramas estratégicos, cinco estudos de caso e dois memoriais freudianos dissecados em quatro camadas de neurose, lidos, obviamente, por lazer. E ainda teve tempo para cinco áudios-podcast de três minutos, porque até seus desabafos exigem curadoria premium, versão comentada e trilha sonora lo-fi de fundo. A demanda de fala é grande, né? Mas com sempre com referências!

Fez da intensidade uma bandeira. De veludo, claro. Marrom – a cor do momento. Com caimento dramático, porque nem as demandas emocionais podem desonrar a patricinha que você é. Cada crise vem com margem justificada, sumário sensorial e hiperlink cinestésico direto para todos os desconfortos que nunca foram validados, mas estão organizados em tópicos, com bullet points e legenda explicativa para não esquecer.

Fresca? Bastante. Mas com glossário emocional em tempo real e um radar afetivo tão sensível que capta até o que ainda nem aconteceu, ou que nunca vai acontecer, mas que você já sentiu, interpretou e escreveu um texto no bloco de notas. E, sim, sempre com um protetor labial cor e sabor amora. Porque se for pra paralisar, que pelo menos os lábios estejam hidratados.

Com 1,53 de altura e cara de quem pede desculpa até por existir, você chega delicada demais para ser levada a sério. Até abrir a boca. E desmontar o ambiente inteiro com um parágrafo afiado, repassado mil vezes, mas dito como se tivesse saído espontaneamente (spoiler: saiu do Word). Sua delicadeza? Vem com pós-graduação em traumas e MBA em expectativas emocionais frustradas com muitíssimo louvor e indicação para publicação. Porque você faz questão de estar presente na vida dos outros, manda cartinhas, oferece abrigo emocional, cita Winnicott, e depois se cobra ferozmente por não fazer nada disso por si mesma.

Diriam que é uma pinscher raivosa? Total. Mas uma pinscher com colar de cetim, escova progressiva nos pelos e monólogo interno em looping. Suas dúvidas existenciais têm paleta Pantone. Suas crises vêm em fonte serifada, paginadas e justificadas, como quem entrega um TCC pra ver se alguém entende. Ninguém entende.

Incompreendida? Sempre. Essa é a regra. Fora da paleta e mal editada? Nunca. A humilhação é ok, mas o desalinho tipográfico e das ideias, jamais.

E já que o drama é inevitável, que venha com trilha premiada, figurino dark-fashion, takes em câmera lenta e fecho bem reflexivo.Porque se é pra sofrer, que seja com direto a tudo: roteiro, fotografia e direção de arte. E com exagero emocional turbo max gold deluxe, edição limitada e também com epígrafe no final. Claro, no final. Porque praticar o poder de síntese seria um crime contra sua estética, sua sensibilidade e contra o seu personagem principal: você mesma, com gloss e colapso combinando na cor do ano.

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