Opinião
Relatos de uma jornalista na pós-pandemia: O ônibus das 6h30
O horário de pico é um daqueles que mais mete medo nos grandes preocupados com o recente vírus que ainda circula entre nós. O ônibus, que me leva da Maria Lacerda a Ribeira, lota às 6h30 da manhã e me custa dizer que tive o desprazer de ser conduzida por um motorista tão antipático, dentre tantos outros gentis. A cada parada mais um monte de trabalhadores e estudantes entram, onde o ônibus vai assumindo a forma de um formigueiro. Quanta gente junta em um lugar que se torna cada vez mais apertado! E tem sido assim mesmo quando atingimos níveis horrendos de infecções e mortes, afinal, a cidade não funcionaria se os peões não se arriscassem todos os dias. Não me leve a mal pelo uso da palavra “peões”, também sou um deles. Temos fiéis com terços na mão, pedindo aos céus que nos protejam dessa doença assim como as vacinas, ou talvez apenas pedindo ajuda para pagar as contas do mês. Temos um senhor que brinca: “com esse calor dos infernos até o corona morre!”. Temos jovens que recém entraram na vida adulta do trabalho, ou que estão com um pé quase lá, já cansados de não saberem se alguém é bonito mesmo por debaixo da máscara para poder flertar. Ah, o ônibus pode ser uma câmara que guarda trocas de olhares que talvez nunca mais venham a se encontrar novamente. O que nos leva a pensar quando chegará o tão sonhado decreto que nos permitirá circular sem esses objetos sufocantes mas tão necessários. Bom, esse passo só depende de nós para ser conquistado; é necessário apenas levar uma picadinha no braço, coisa que tanta gente ainda se nega a fazer. Felizmente, no ônibus onde me encontro no momento, todos usam máscara da maneira correta e muitos mantêm a companhia de um recipiente de álcool em gel na bolsa. Chegando ao Alecrim o ônibus começa a se parecer menos com uma lata de sardinha e os que venceram a viagem até ali se chateiam com aqueles que se levantam quase tarde demais de seus assentos e gritam “vai descer!” a plenos pulmões para não perderem a parada. Perto de finalizar o circuito, passamos pela Cidade Alta e já é perceptível o acordar do comércio daquele centro tão movimentado. A esse ponto o ônibus já vai vago; parece que se tornou até mais fácil de respirar. Por fim, chego a Ribeira e nada me parece tão curioso quanto os casarões antigos que ali sobrevivem, cheios de história que não conhecemos. Penso comigo mesma sobre as pessoas que ocuparam aqueles lugares, que passaram por aquelas ruas quando o bairro era o centro da sociedade norte-rio-grandense, quando o trem ainda passava pela famosa Rua Chile. E assim, com a máscara no rosto e uma boa dose de álcool em gel nas mãos, desço daquele ônibus e deixo para trás um curto espaço de tempo que compartilhei com pessoas que nunca conhecerei profundamente, mas que certamente considero companheiros de viagem.