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Sociedade

Planejar o velório em vida: um gesto de cuidado que traz alívio à família e respeito às últimas vontades

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No Brasil, figuras públicas que optaram pelo planejamento, como Preta Gil e Arlindo Cruz, ajudam a transformar esse tabu 

Foto: Pexels

Falar sobre a morte ainda é um tabu para muitos brasileiros, no entanto, cresce cada vez mais o movimento de pessoas que escolhem planejar em vida como desejam que seja a sua despedida. Ao definir previamente detalhes como tipo de cerimônia, local de sepultamento ou cremação, músicas, homenagens e até mensagens de despedida, a pessoa poupa sua família de tomar decisões difíceis em meio ao luto. 

No Brasil, figuras públicas que optaram pelo planejamento ajudam a transformar esse tabu e mostram que a prática prepara o caminho para os que os que ficam possam lidar melhor com a perda. Foi o que aconteceu com a cantora Preta Gil, que faleceu, em julho deste ano, após uma batalha contra o câncer. 

Ela havia planejado os detalhes do seu próprio funeral antes de sua morte, desejando uma cerimônia com cores, afeto, diversidade e autenticidade, e, se possível, um cortejo em um trio elétrico com Ivete Sangalo. Seu velório, que foi aberto ao público no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, seguiu a vontade dela, emocionando fãs e famosos.  

Caso semelhante foi o do sambista Arlindo Cruz, que faleceu no último mês de agosto, de falência múltipla de órgãos. Atendendo a um pedido feito em vida, sua cerimônia de despedida foi realizada na quadra da escola de samba Império Serrano, no Rio de Janeiro, seguindo os preceitos do gurufim. No mundo do samba, essa prática se consolidou como uma homenagem simbólica a grandes nomes do gênero. Segundo o jornalista e pesquisador Gabriel Dias, da Universidade Federal Fluminense, o gurufim é a festa realizada nos velórios dos sambistas que fizeram história em vida, na qual familiares e amigos bebem e cantam para espantar a dor e garantir a partida tranquila do poeta que se foi.   

De acordo com a psicóloga especialista em luto do Cemitério e Crematório Morada da Paz, Simône Lira, planejar o velório é um gesto de cuidado. “Embora estejamos acostumados a evitar esse tipo de conversa por acharmos que falar sobre morte pode atrai-la para perto de nós, trazer à tona os desejos de fim de vida pode ser libertador para questões relacionais que estejam pendentes e, acima de tudo, ser um fator protetor para os que amam o ente e ficam enlutados. Ter a sensação de dever cumprido por ter feito tudo que foi possível por alguém tão significativo para nós é um fator protetivo para a vivência do processo de luto”, explica.  

Nos casos em que houve um planejamento prévio, através de um plano de assistência funeral, os familiares podem se concentrar apenas com o momento da despedida. “Isso acontece porque a família será assessorada por profissionais do luto que facilitarão todos os processos burocráticos que envolvem a morte, esclarecendo dúvidas e tornando possível que a despedida seja digna e honre toda a história vivida entre os que ficam e o ente que partiu”, fala a psicóloga. 

Simône Lira fala que a morte é a única certeza que temos e não precisa pedir permissão para chegar. Porém, só nos damos conta de que existe essa possibilidade quando um processo de adoecimento grave está instalado. “Nesse momento, caso não tenha tido a oportunidade de fazer o planejamento do próprio velório, é importante que a pessoa possa ser protagonista de sua história do início ao fim, dizendo como deseja que seja feita a sua despedida”, diz. 

Pessoas que gozam de boa saúde também podem fazer esse tipo de planejamento e deixar os amigos e familiares avisados se há um plano funerário que ele paga e como acionar, se deseja ser cremado ou sepultado, que destino deseja que tenham as suas cinzas, quais músicas deseja que toquem em seu velório, se deve ter um momento de oração ou algum ritual que faça sentido para ele. “Da mesma maneira que celebramos o nascimento, podemos planejar a forma que desejamos celebrar a nossa despedida, honrando toda a história vivida com aqueles que amamos”, pontua ela. 

Cerimonial 

Em sete anos de trabalho como cerimonialista no cemitério e crematório Morada da Paz, em Paulista, Luciana Trindade, relembra do velório de uma mulher que teve uma despedida ao som das músicas dos anos 1980, como ela mesma havia planejado. “O velório foi transformado em um bar com luz ambiente, músicas de Cazuza, cerveja e caldinhos oferecidos às pessoas. O cortejo foi ao som da canção Bete Balanço”. 

Luciana também lembra do velório de um maestro durante o carnaval, que contou com a presença de vários maestros junto com suas orquestras de frevo. “O cortejo foi muito emocionante. Todos os grupos de frevo se tornaram um só, saímos da capela com a orquestra na frente, quando descemos a ladeira, a orquestra parou e se dividiu em duas partes. Passamos com a urna no meio, enquanto todos cantavam clássicos do frevo pernambucano”. 

Para atender os desejos nos mínimos detalhes, a equipe de cerimonial do Morada da Paz entra em contato com algum familiar que tenha o total conhecimento das vontades do ente querido. “Assim, fazemos o possível para termos tempo de providenciar ou tentar produzir algo parecido para atingir o objetivo do ente querido e a satisfação da família”, afirma a cerimonialista. 

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