Cultura
Olhos D’água, a escrita transbordante de Conceição Evaristo
Se tem uma coisa que a literatura provoca é a capacidade de nos transportar para lugares, inclusive emocionais, desconhecidos. Olhos D’Água, escrito por Conceição Evaristo é mais um exemplo desse poder. Uma realidade bruta e dura, por vezes violenta, nos é apresentada em sua escrita e nos desfaz em um mar salgado. No entanto, do outro lado do rio que corre dos olhos, está a vida pulsante, esperançosa, que brinca de gangorra nessa existência que jorra, se espalha, nesse encontro de rio e mar.
Falo de lugares desconhecidos, porque há coisas que nunca compreenderemos completamente, ainda mais quando viver na pele é o que separa uma vida de outra. Neste livro, composto por uma série de contos, a autora nos faz andar por um mundo onde o fio que tece as histórias não separa realidade de ficção. Poderia ser uma única personagem diluída em várias, ou múltiplas pessoas, gente de carne e osso ou gente inventada. O que de mais cortante há nessa leitura é a sua aproximação tão crua com o mundo visível e invisível de nossa sociedade.
Histórias protagonizadas por mulheres negras e homens negros, periféricos, crianças, adultos, cujas narrativas falam acima de tudo da condição humana. Não simples, mas complexa, feita de sonhos e de medo. Gente esquecida, onde o “não morrer” não é necessariamente sinônimo de “viver”. Escrevivência é assim que Conceição Evaristo define sua escrita, essas vozes retiradas do cotidiano são facilmente enxergadas em seu texto.
Muitos contextos são abordados em seus contos, a maternidade, o amor, a vida e a morte, equilibradas, andando lado a lado. Nos lembrando da nossa ausência enquanto sociedade aos que vivem silenciados, afastados, como se uma dor não existisse porque não a podemos ver ou sentir. Inúmeras reflexões nascem enquanto pensamos sobre a vida ao nosso redor e como por vezes ignoramos tristezas e sofrimentos reais.
“Mas escrever funciona para mim como uma febre incontrolável, que arde, arde, arde…” [Trecho retirado do livro]
Ardemos o peito ao olhar no fundo desses olhos que despencam água. Ou ao ler na página seguinte: “Minha mãe sempre costurou a vida com fios de ferro.”
Embora toque em tantas áreas sensíveis, senti como se de alguma forma um conto estivesse ligado ao outro e o último fosse uma espécie de grito de esperança sobre os significados que o nascimento de uma vida podem trazer. Como se ao nascer um em meio ao amor, todos renascessem com ele. Ao menos foi um pouco da sensação despertada em mim nesta leitura. Cheia de significados e pensamentos necessários.
Conceição Evaristo nasceu em Minas Gerais. Trabalhou como empregada doméstica até 1971, aos 25 anos, até concluir os estudos no Instituto de Educação de Minas Gerais. Após esse período, se mudou para o Rio de Janeiro e estudou Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio e Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense.
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Este texto é uma parceria com a Quando Nuvem