Sociedade
O mundo grisalho
*Texto: Enoleide Farias, Marcelha Pereira e Naryelle Keyse/ Fotos: Cícero Oliveira
Toda pessoa com mais de 60 anos é um idoso, segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS). A agência ligada à Organização das Nações Unidas (ONU) ainda classifica o envelhecimento em quatro estágios: meia-idade, de 45 a 59 anos; idoso, de 60 a 74; ancião, de 75 a 90; e velhice extrema, acima de 90 anos.
No Brasil, é a Lei nº 10.741/2003 que reconhece a idade de 60 anos como a passagem para essa fase da vida e que instituiu, no dia 1º de outubro, o “Estatuto do Idoso”, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Desde que entrou em vigor, este estatuto já foi alterado em mais de 20 pontos, por 11 leis. Uma das mais recentes, de 2017, deu prioridade especial no atendimento a idosos que tenham a partir de 80 anos.
Como o avanço das tecnologias e o progresso da ciência aumentaram a expectativa de vida e diminuíram a taxa de mortalidade nas diversas fases da vida, incluindo a velhice, o percentual de idosos nas populações de todo o mundo aumentou nos últimos anos. Pelos dados da ONU, a população idosa registrada no mundo em 2015 foi de 12,3%, devendo dobrar para 24,6%, num prazo de cerca de 55 anos, lá para o ano 2070.
Já no Brasil, o número de idosos deve crescer mais rapidamente. A proporção registrada foi de 11,7%, mas a previsão é que o índice suba para 23,5% em apenas 24 anos, ou seja, na metade do tempo estimado para o resto do mundo. Segundo dados do IBGE, no Brasil, em 2018, do total da população de 208,5 milhões, um percentual de 0,12% da população era de homens com mais de 90 anos e 0,24% de mulheres na mesma faixa etária. Em 2019, a expectativa de vida apontada é de 80 anos para as mulheres e de 73 anos para os homens.
Entre 2010 e 2016, a população idosa no país registrou um substancial aumento de 9 milhões de pessoas, o que mostra que esse segmento se torna mais representativo a cada ano. O crescimento decorre tanto do aumento da expectativa de vida, pela melhoria nas condições de saúde, quanto pela menor taxa de fecundidade. A constatação é que o Brasil e o resto do mundo estão ficando velhos. Presenciamos um Tsunami grisalho, como diz José Eustáquio Diniz Alves no seu artigo sobre o envelhecimento da população no Brasil.
Conhecimento e cidadania para viver melhor
O envelhecimento é definido como um conjunto de transformações que ocorrem com o avançar da idade, um processo inverso no desenvolvimento humano. Enquanto na infância é evolução, na senescência é involução, o declínio das capacidades funcionais e das aptidões que começam na idade adulta e se precipitam no envelhecer. Então, viver depois dos 60 não é fácil, mas “com conhecimento e cidadania é possível viver melhor”.
A assistente social Donália Candido, autora da frase acima, é vice-diretora do Instituto do Envelhecer da UFRN e trabalha com a temática desde os tempos em que era estudante da graduação. Nesses anos todos, acompanhou, entre outras coisas, a criação da Pastoral do Idoso pela CNBB (1993), a Política Nacional do Idoso (1994) e a Lei n° 10.741 de 1º de outubro de 2003, conhecida como Estatuto do Idoso.
Atuando no serviço público desde 2002, já naquele ano disse ter se deparado com muitos servidores que buscavam a aposentadoria, mas não se planejavam para tal. Então, depois de aposentados, acabavam enfrentando problema psicológicos, emocionais, sociais e até financeiros.
Na UFRN, ela atua desde 2013 em ações voltadas para esse público no Projeto Vida com Maturidade, criado pela Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progesp). Inicialmente, voltado aos aposentados, o projeto teve de ampliar sua atuação porque em pouco tempo os profissionais envolvidos perceberam que era preciso cuidar do servidor antes disso, e estenderam o atendimento aos servidores com idade a partir dos 50. Para Donália Cândido, “a questão do envelhecimento não é exclusiva da pessoa idosa. E cuidar do trabalhador idoso é também função da organização”.
Segundo ela, na UFRN o número de servidores acima de 50 anos é significativo e em 2019, com as reformas trabalhista e previdenciária, repete-se uma grande procura pela aposentadoria. Mais uma vez ela disse perceber que são muitas as dúvidas de quem se encaminha para o desligamento do trabalho, de quem se encontra na transição entre a idade ativa e a aposentadoria, até porque, quando a opção não é a aposentadoria, continuar trabalhando depois dos 50 ou 60 anos é difícil.
O Projeto Vida com Maturidade já tem outro nome, agora é Recriando com Maturidade, mas continua focado nos mesmo objetivos: ajudar o servidor que se encaminha para a aposentadoria a compreender as mudanças do porvir e, ante essas mudanças, ajudar o servidor a se reinventar. Repaginado, o projeto oferece uma capacitação para os servidores, ajudando-os a refletir sobre esse momento de transição e o depois da aposentadoria: como cuidar do corpo e da mente nessa fase da vida? Como preencher o tempo livre? E o dinheiro, é possível administrar melhor? O que fazer com o medo da solidão? Em 2019, foram duas turmas, a segunda ainda em andamento. Quem passa por lá concorda que o desligamento das atividades laborais nem sempre é fácil e que para essa nova fase da vida precisa-se de ensinamentos.
O Instituto do Envelhecer
São vários os departamentos da UFRN que desenvolvem projetos de extensão ou de pesquisa voltados à questão da pessoa idosa. A instituição busca sempre qualificar e ampliar as ações que oferece. Com base na premissa “oferecer o melhor”, há cerca de 5 anos, a UFRN iniciou as discussões sobre a criação do Instituto do Envelhecer (IEN), ideia do professor Kênio Costa de Lima, do Departamento de Odontologia. Em 2014, o projeto foi apresentado à gestão da reitora Ângela Maria Paiva Cruz e recebeu apoio e atenção dos titulares das pró-reitorias de Gestão de Pessoas, Miriam Dantas, e de Extensão, Edmilson Lopes.
Depois de muita discussão, incluindo outros setores, em dezembro de 2018, a criação do Instituto foi aprovada nos colegiados superiores, com a missão de articular ações em benefício da pessoa idosa. O Regimento Interno foi aprovado pela Resolução nº 027/2018 (Consuni), de 7 de dezembro de 2018. A implantação oficial do IEN aconteceu no final de maio de 2019, com a indicação do professor Kênio Costa Lima como diretor.
Embora recém instalado, o Instituto do Envelhecer já alcançou um papel de protagonismo no RN e em julho realizou seu primeiro evento, sob o tema Os Reflexos das Desigualdades Sociais no Processo de Envelhecimento. O encontro resultou na elaboração do Plano de Enfrentamento, documento que será entregue aos principais órgãos que trabalham com a pessoa idosa, como as secretarias de Saúde, conselhos do Idoso e a recém criada Frente Parlamentar em Defesa do Idoso, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, que foi instalada oficialmente no dia 24 de setembro.
Cuidar com cuidado
Toda pessoa que se relaciona com o Idoso deve observar altruísmo e alteridade. “Se colocar no lugar do outro, no lugar do Idoso”. A orientação é do diretor do Instituto do Envelhecer, Kênio Costa Lima, que decidiu dedicar sua vida como acadêmico e pesquisador da temática. Ele já estudou o envelhecimento dentro e fora do Brasil e afirma que os piores indicadores são sempre ligados à pessoa Idosa. Por isso defende que a atenção ao envelhecimento promova a vida em todas as suas possibilidades: saúde, cidadania, educação, trabalho, lazer. Embora seja na área da saúde em que ocorre o registro dos piores indicadores, o diretor do IEN diz que não é possível esquecer a área social, pois ela é essencial à vida.
Segundo ele, embora no Brasil os problemas sejam muitos, problemas relacionados ao preconceito e ao desconhecimento sobre a velhice existem em todo o mundo. “As pessoas olham as outras pessoas idosas como se não fossem chegar lá”. Ele considera que o Estatuto do Idoso foi uma vitória, mas acrescenta que a legislação já carece de atualizações e que os idosos sofrem muito mais porque não são cuidados com cuidado.
Ele acredita que a humanidade é necessária e essencial no lidar com o idoso e cita algumas experiências sobre casos em que as pessoas, parentes, relutam em aceitar a morte, desejando, a qualquer custo, que um parente idoso viva mais. “Em muitas dessas situações, o que o idoso precisa é ser acolhido para viver melhor seus últimos momentos. Um abraço, uma palavra são muito mais importantes do que uma assistência médica desassistida de sentimentos.”
Perguntado sobre o melhor projeto de vida para a velhice, responde que trabalhar e ter saúde é algo que todo o ser humano almeja na idade adulta, mas para tocar qualquer projeto de vida na velhice é preciso saber o que se vai fazer: “É preciso pensar, saber o que se vai fazer e ter consciência que esse projeto é individual, que depende de cada um”.