Ciência & Tecnologia
O futuro da indústria: Como a juventude tecnológica impulsiona o RN para a frente
Por Maria Clara Pimentel | Elo Jornal
“Você já sabe o que quer ser no futuro?” Esta é uma pergunta que pode ser bastante delicada para adolescentes que estão no Ensino Médio. Pode suscitar dúvidas, acionar gatilhos de ansiedade, gerar insegurança e até fazer o interlocutor mudar de humor rapidamente.
Mas em uma sala gigante, os três estudantes que conversaram comigo tiveram respostas bem diretas. Para se ter uma ideia, um deles nem deixou que eu concluísse a pergunta, e disparou: “Sei, eu vou trabalhar na área de T.I. [Tecnologia da Informação], eu quero ser desenvolvedor de software ou engenheiro de software — ou os dois, se for possível.”

O estudante de 18 anos que me deu esse veredito se chama Gustavo Henrique Lins, natalense que nasceu em Caicó, no Seridó potiguar. E essa resposta vem de um despertar relativamente recente para o jovem, que se definia, antes de entrar na Sesi Escola de São Gonçalo do Amarante, no ano passado, como um adolescente “entediado”.
“Antes de eu começar a estudar aqui, eu sentia muito tédio, porque eu não tinha quase nada para fazer. Minha vida cotidiana era bem repetitiva. Depois que eu entrei para a Robótica, começou a melhorar muito, porque eu fiquei mais entretido. Eu comecei a me dedicar mais nas coisas e eu realmente consegui me organizar mais na vida. Desde o começo das minhas práticas na Robótica, eu já sabia o que eu queria fazer no futuro”, afirma Gustavo. Ele participa de uma equipe de Robótica chamada Bat Tech, junto a outros estudantes da mesma escola, da mesma faixa etária, e tem o compromisso de trabalhar com os robôs diariamente.
—Tem aluno que quer vir três vezes na semana para a equipe de Robótica para construir e fazer o robô, mas tem a galera que não quer desperdiçar nenhum tempo para fazer as coisas. Quem realmente se dedica, trabalha todos os dias nisso.
—E qual é o seu caso? Você vem todos os dias?
—Todos os dias, sem exceção [afirma com o sorriso no rosto].
As Sesi Escolas são equipadas com diversos espaços educacionais, que vão além das salas de aula, como laboratórios, bibliotecas, salas de multiuso, e, ainda, as maiores arenas de Robótica do Rio Grande do Norte — uma delas é o local onde ocorreram a maioria das entrevistas aqui descritas. A proposta pedagógica da instituição é focada no uso sobretudo da tecnologia (por meio de plataformas digitais de aprendizagem e ambientes virtuais de simulação), além de buscar desenvolver nos alunos competências de autonomia, criatividade, colaboração e reflexão.
A Robótica Educacional, ministrada em sala de aula, foi implementada nacionalmente nas Escolas Sesi há quase 20 anos e é ministrada em todas as turmas a partir do 6° ano do Ensino Fundamental. Já a prática, é inserida na grade curricular como Oficinas Tecnológicas, e é desenvolvida no contraturno escolar, assim como aulas de xadrez, por exemplo. As equipes de competição de Robótica são abertas por processo seletivo interno, ou seja, a participação é mediante desejo próprio de cada aluno — não há obrigatoriedade de envolvimento e a frequência de participação é definida por escolha e comprometimento dos próprios estudantes.

Na sala imensa, há diversos robôs sobre pelo menos seis mesas de madeira. Há robôs feitos com Lego, há aqueles que pinçam objetos, que os arremessam, que se movimentam e aqueles que entram em batalhas. Especificar cada um deles pode ser tarefa difícil para uma jornalista que pouco afeto tem com as máquinas. Ela pede desculpa pela explicação em termos grosseiros, a única forma que vê possível contar essas histórias.
No chão, em uma caixa preta, aparentemente pesada, lê-se “cuidado, frágil”. É o mais renomado robô desenvolvido pela Bat Tech. O símbolo do Batman dentro de uma engrenagem ajuda no reconhecimento, assim como o jogo de luzes com o símbolo que, projetado, avisaria ao Rio Grande do Norte: a Bat Tech vem para ajudar a formar a indústria do futuro.
Hoje, Gustavo Henrique assume os cargos de engenheiro e eletricista da Bat Tech. O grupo foi formado no ano passado, mas já rendeu desempenhos significativos, com a participação em diversas competições de Robótica, a níveis nacionais e até internacionais.
No ano passado, foram a Cuiabá/MT para participar do Festival Sesi de Robótica, de onde saíram como Aliança Vencedora e ganharam o Prêmio Inovação Rockwell Collins. Mas foi em março deste ano que veio a premiação mais significativa. Através do Bat Solution, projeto social por meio do qual prestam serviço a empresas industriais do Rio Grande do Norte, a equipe desenvolveu um maquinário de empacotamento de casquinhas para a Sterbom, indústria de fabricação de sorvetes. O projeto foi apresentado no Festival de Robótica de Brasília/DF e, com ele, ganharam o primeiro lugar na categoria Connect Award.

O prêmio reconhece equipes com projetos que se conectam com a realidade da indústria, apresentando soluções e promovendo o envolvimento com profissionais de engenharia, ciência e tecnologia. Com a conquista do 1° lugar, a Bat Tech foi selecionada para representar o Brasil na European Premier Event, principal competição de Robótica da Europa. Eles participaram em junho, na cidade de Eindhoven, na Holanda.
Foi uma experiência inesquecível, que eles carregam consigo para onde vão. Um dos integrantes da equipe, Guilherme Massami, ostenta o pulso cheio de bandeiras. “Aqui no meu braço tem a pulseira da China, dos Emirados Árabes, do Marrocos, dos Estados Unidos… São as maiores potências da Robótica, e a gente teve esse contato com eles e criou muitos vínculos”, explica o adolescente.




Foco desde pequeno
Para Arthur Breno Azevedo, de 18 anos, programador da Bat Tech, a experiência de todas as competições e aprendizados foram motivo de transformação em sua vida. “Acho que é seguro dizer que eu já não sou mais a mesma pessoa de antes de entrar na Robótica; minha visão das coisas mudou completamente”, afirma.
O adolescente, que está no 3° ano do Ensino Médio, começou a se interessar pela Programação quando tinha apenas 10 anos de idade. Aos 15, quando estava procurando uma nova instituição onde estudar, o fato de a Sesi Escola ser referência em Robótica foi fator decisivo. Com dois meses na escola, Arthur já entrou na sua primeira equipe de Robótica.

A trajetória do natalense perpassa aprendizados na Programação, mas também no enfrentamento a desafios, expansão de horizontes e superação da zona de conforto. “Antes de eu entrar para a Robótica, eu só programava em blocos, que é uma linguagem simples, para iniciantes, e eu nunca tinha passado disso por [ter] medo. É bem complicado programar em texto quando você não sabe absolutamente nada. Mas depois de ganhar bastante experiência programando aqui com os robôs de Lego, que foi a categoria que eu comecei, acabei criando coragem. Aí um colega começou a me ensinar o que ele sabia sobre Java, e agora eu já programo [em Javascript], o que é super vantajoso para quando eu começar a seguir carreira nisso”, afirma Arthur Breno. Às vésperas de prestar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), ele pretende cursar Engenharia de Software e Engenharia da Computação, além de ter interesse em Desenvolvimento de Jogos.
O jovem é decisivo quando fala da diferença que a Robótica fez no seu amadurecimento. “Se não fosse a Robótica, eu ainda estaria em dúvida do que eu queria para a minha vida”, declara.
A certeza da multiplicação
Diferente de Gustavo e Arthur, que querem seguir na área da Programação, quem tem uma visão que tangencia a área é o estudante Guilherme Massami, 16 anos, que está no 2° ano do Ensino Médio. Gerente de marketing da Bat Tech e extremamente comunicativo — aquele com as pulseiras de amigos estrangeiros —, ele afirma que pretende seguir uma carreira política, levando o ensinamento da Robótica para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.

| Foto: Maria Clara Pimentel
Atualmente, Massami coordena o Bat Sertão, iniciativa prevista para 2026 que levará atividades de Robótica para escolas públicas do interior do RN. “Com esses projetos, nós temos contato com crianças que nunca mexeram em um Lego, e a gente vê como muitos jovens não têm oportunidade de acesso à tecnologia e à inovação. Então no meu futuro, eu quero, por meio da política, levar a Robótica para as escolas públicas que não têm essa possibilidade”, explica.
Ao entrar na Sesi Escola São Gonçalo do Amarante, em 2024, o adolescente não tinha muito interesse em Robótica, mas afirma que, com pouco tempo de contato, foi arrebatado. Massami teoriza de que é isso o que acontece com boa parte de seus colegas. “Muitos alunos começam a desenvolver o interesse pela Robótica justamente pelo desenvolvimento em sala de aula. Temos disciplinas de IA (Inteligência Artificial), educação interativa… Tudo isso vai começando a criar um hábito no adolescente que porventura se interessa pela tecnologia”, discorre.
Bem articulado, o jovem sente uma grande evolução de suas habilidades e capacidades nos últimos dois anos. “Eu consegui desenvolver mais a minha comunicação, que já era meu interesse; hoje eu possuo diversas habilidades em comunicação, fotografia, mídia social; consegui desenvolver meu aprendizado de Robótica… Então eu acho que tive um grande desenvolvimento social e também intelectual, e o Sesi conseguiu me proporcionar essa oportunidade”, afirma o jovem de 16 anos.
O amadurecer
O futuro está diante dos meus olhos, e neste momento está dividido em três sujeitos. Se fôssemos criá-los como as Meninas Superpoderosas, a partir de uma mistura de “açúcar, tempero e tudo que há de bom”, teríamos ingredientes um tanto diferentes. Neste caso, a mistura que daria origem ao amanhã seria composta por aparelhos dentários, barbas ralas e cabelos lisos jogados para o lado. Ideias já bem definidas entrelaçadas em palavras gaguejadas. Algumas inseguranças unidas à confiança inabalável que significa um longo e estruturado tapete diante de seus pés. O futuro é composto por adolescentes, e ainda está verde.
Na opinião da psicóloga Monike Barbosa, 38, que atende adolescentes de forma clínica, a adolescência é um período de transição psíquica e requer alguns cuidados. “É um importante marco rumo ao mundo adulto, porque o adolescente é induzido a escolher uma profissão. Essa decisão, na maioria das vezes, não é fácil, pois ele está passando por transformações internas (emocionais, sociais e de construção da identidade) e externas (pressões de familiares, amigos e ambientais). Assim, a escolha do futuro costuma ser permeada por inseguranças”, ela explica.
A profissional ressalta, no entanto, que estudar em uma escola que oferece recursos tecnológicos e que incentiva a inovação, pode gerar múltiplas oportunidades aos jovens. “Possibilita ao adolescente vivenciar, na prática, novas experiências, colocando-o em modo de descoberta, estimulando a criatividade e a capacidade de inovar, além de ampliar o espaço potencial para aprendizagem e para sua atuação no futuro. Tecnologias como a Robótica, a curto prazo, estimulam a capacidade de resolver problemas; e a longo prazo, ampliam perspectivas de futuro, permitindo que o adolescente descubra interesses e possíveis caminhos profissionais”, conclui.
Na vivência de Josinaldo Araújo, técnico da Bat Tech e professor de Física e de Educação Tecnológica na Sesi Escola há 10 anos, o ensino voltado à tecnologia também desenvolve habilidades sociais. “A gente lida muito hoje com adolescentes que estão presos no celular, no mundo digital, mas que, através das práticas que a gente propõe, eles inconscientemente começam a interagir com outras pessoas e aprendem a trabalhar de forma colaborativa”, afirma.

| Foto: Maria Clara Pimentel
O especialista em Física Experimental e mestre no Ensino de Física com ênfase em Robótica Educacional explica que, além da arena de Robótica, os professores usam diversos outros recursos tecnológicos que ajudam e facilitam no desenvolvimento dos conteúdos programáticos. “Para mim, é uma gratificação imensa fazer parte deste programa, é até um privilégio ter acesso a todos esses recursos tecnológicos que ajudam muito no desenvolvimento dessas habilidades. É muito bom poder transformar vidas através da educação, e tendo recursos e apoio, então, fica melhor ainda”, celebra.
De 2021 para 2025, a Sesi Escola RN cresceu 158% no número de alunos matriculados na Educação Básica, entre Ensino Fundamental e Médio. Para a superintendente regional do Sesi-RN, Danielle Mafra, isso significa que o Sistema Fiern investe cada vez mais em suas escolas tecnológicas. “Nós fazemos parte da maior rede privada de educação do país, e o Sesi é uma escola que prepara para a indústria, para a engenharia, para a automação e para a mecânica. O Sesi faz parte da Lego Education e, com isso, tem alguns de seus valores de relacionamento, humanidade e trabalho em equipe. É isso que nós pregamos”, explica.
