Esporte
#JogaJuntoFF: Luta contra o coronavírus chega aos gramados
Jogadoras atuantes e não-atuantes do Brasil se unem para sortear suas camisas em troca de apoio financeiro ao Sistema Único de Saúde para lutar contra a nova ameaça à vida
Por André Samora e Victória Z. Alves
Como muitos sabemos, estamos em tempos de pandemia e o novo coronavírus vem causando um grande impacto na sociedade, a necessidade de isolamento social por causa da rápida e fácil propagação do vírus gera medo em boa parte da população, mas em decorrência desse período de quarentena, muito tem se discutido sobre o funcionamento e não-funcionamento de atividades e serviços considerados não-essenciais. Com a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de isolamento social, parte da população segue o que foi instruído, mas há quem não possa parar. Os profissionais da saúde não podem parar por serem peças fundamentais em meio a epidemia atual que se estende pelo globo terrestre e fazendo diversas vítimas.
Pensando nesses profissionais que possuem papel fundamental – não só em em meio a crise mas ainda mais durante ela – atletas do futebol feminino brasileiro estão montando um projeto com finalidade especial de arrecadar fundos para o nosso sistema de saúde, a intenção da campanha é repassar a quantia em materiais para o SUS ou enviar diretamente para alguma Unidade Básica de Saúde, a idealizadora do projeto está resolvendo a forma mais viável junto às respostas do Ministério da Saúde, na qual a mesma entrou em contato via e-mail. É muito importante nesse momento o uso de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e materiais necessários para garantir a segurança dos profissionais, pacientes e seus familiares. Com isso, essa seria a forma de ajudar e impedir o contágio em massa.
Como forma de incentivo, as pessoas que aderirem à campanha com valores via picpay e/ou vakinha concorrem camisas de diversas jogadoras. Muitas atletas do futebol, futsal e fut7 atuantes e não-atuantes do Brasil estão participando e sorteando camisas de seus respectivos clubes, em forma de apoio ao projeto de solidariedade e preocupação com a saúde da população.
Conversamos com Mariana Dantas, 25, lateral esquerda do Flamengo, a atleta por trás de toda essa iniciativa nos revela as dificuldades enfrentadas e o sentimento que envolve a iniciativa do #JogaJuntoFF. Além de contar que no início deu muito trabalho, a atleta diz sentir muita gratidão, hoje possui divisão de tarefas e um grupo de pessoas tocando esse projeto junto a ela. Prova disso, é que no Twitter nada é publicado por ela, pois existem pessoas para estar nas redes, produzindo arte para a divulgação do movimento, entre outras coisas. Com isso, as coisas estão mais fáceis de lidar.
“Mas… Nossa, a melhor parte para mim é olhar o quanto nós estamos arrecadando, as pessoas felizes com os sorteios, entrar na live e as pessoas interagindo e elogiando a campanha…” E ela prossegue nos informando de como está o feedback do projeto nas plataformas de arrecadação. “No picpay e na vakinha tem muitas mensagens, as pessoas doam e mandam [mensagens] elogiando a campanha, acho isso muito gratificante.”
Mariana vê essa campanha como uma oportunidade de unir as atletas do futebol feminino: “Com certeza, a gente deixou o ego de lado, a rivalidade de lado. Estamos fazendo uma coisa boa, que serviu para mostrar a força que a gente tem. Isso trouxe coisas positivas para modalidade, o futebol feminino sempre foi taxado como umas coitadas. Sem salário, não são valorizadas, não são isso e não são aquilo. Hoje, a gente pode ajudar as pessoas, olha a virada que foi, é muito bom ver isso”.
Apesar da quarentena prejudicar o condicionamento físico das atletas, Mariana acredita em renovação da sua carreira: “Minha expectativa é retornar o trabalho e melhorar. Sinceramente, não estava feliz com o meu rendimento no Flamengo. Espero que eu volte mais focada e melhor, essa quarentena até tem feito bem por eu ter dado uma relaxada e pensado no que eu quero. Os treinos estão complicados na garagem da minha casa, sem muito material, mas está dando pra se virar. Pelo menos não vou voltar para os treinos zerada, perdendo tudo que a gente tinha conseguido, mas não vai ter jeito, a gente vai perder um pouco de físico. Não tem como ter a mesma intensidade dos treinos, com toda a estrutura, a academia e o campo”.
Para mais informações do movimento #JogaJuntoFF
“Primeiramente queria agradecer a todo mundo que vem doando e vem participando dos sorteios. Às vezes as pessoas não podem doar financeiramente, mas só de estar compartilhando e falando sobre a nossa campanha, já ajuda demais mesmo. Quem quiser participar, fica ligado no Twitter e Instagram, no perfil @jogajuntoff, lá tem todas as informações. Se tiver alguma dúvida, pode mandar DM, temos bastante gente ligada nas redes sociais para responder todo mundo. Basicamente para participar é doar, retuitar no twitter e comentar lá nas fotos. É muito fácil participar, quem quiser ficar ligado sobre a campanha é só entrar na nossa página que está todas as informações. Muito obrigada pela oportunidade de falar sobre a campanha.”
Paralisações no futebol brasileiro ao longo da história
Com a pandemia do novo coronavírus, o esporte em geral está paralisado em todo mundo. A suspensão de competições não é nenhuma novidade para alguns países que passaram por epidemias e guerras, mas para o futebol brasileiro é praticamente inédito. Em 1918, com o surto da gripe espanhola, muitos campeonatos estaduais foram paralisados. Porém, aquela época o futebol brasileiro era amador, os atletas jogavam apenas por diversão. Ninguém ganhava dinheiro por isso. Com um país com tamanho continental, só existiam competições estaduais, as disputas nacionais só começaram em 1959.
No Brasil, da pandemia de gripe espanhola até o novo coronavírus, apenas uma competição foi paralisada nesses mais de 100 anos: o Campeonato Potiguar de 1942. Na ocasião, Natal era o principal ponto estratégico da América do Sul na 2ª Guerra Mundial. Com o apoio do país a coalizão formada por Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética, a capital potiguar recebeu duas bases americanas. Desembarcaram 10 mil soldados na cidade de 50 mil habitantes. “Natal temia que, se houvesse um conflito no país, o bombardeio começasse por aqui”, relata o pesquisador potiguar Marcos Trindade.
Com o novo coronavírus, muitas competições estão sendo canceladas ou adiadas. Diferente do Brasil, muitos países estão perto de terminar seus campeonatos e uma das formas de resolver o problema é definindo como a equipe campeã aquela que estava em 1º lugar quando a disputa foi paralisada.
Se no futebol masculino brasileiro quase não parou por epidemias, o futebol feminino praticamente não existiu até a década de 80. O Rio Grande do Norte até teve uma equipe no início do século 20, o primeiro clube feminino do estado, o Centro Esportivo Natalense. A equipe foi criada pelo futuro presidente da república, Café Filho. No time, Jandira Carvalho, esposa de Café, era a volante da equipe. Na época, não houve reação negativa porque se praticava o futebol feminino. Porém, quando se casava, a mulher tinha que abandonar o esporte para “ter filhos e cuidar do lar”.
O primeiro passo de Café Filho rumo à presidência da república foi se tornar vice-presidente de Getúlio Vargas. Os dois tinham posições políticas diferentes, mas, naquela época, as votações para presidente e vice eram separadas. Apesar disso, foi no governo Vargas, em 1941, que o Decreto-Lei 3.199 foi assinado.
O artigo 54 dizia que: “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”, sendo assim, a prática do futebol feminino foi proibida durante o governo do presidente do qual Café Filho era vice. Justo ele, que criara o primeiro time feminino do Rio Grande do Norte. Mesmo após a morte de Getúlio em 1954 e a posse de Café como presidente, o potiguar não mudou a lei. Com a chegada da ditadura militar em 1964, a proibição foi mais severa e a prática só foi liberada em 1983.
Essa é a primeira vez que o futebol feminino brasileiro passa por essa paralisação. Se a situação financeira dos atletas masculinos está complicada, imagina das mulheres. Por aqui, de acordo com informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), os salários de mulheres são de R$ 2.556,34. No caso dos homens, R$ 5.577,53. Ou seja: os homens ganham 118% a mais. A amostragem é de dez mil profissionais pesquisados. Muitas atletas vivem com dois empregos e sem futebol, a situação fica precária.