Esporte
Épico, dramático, improvável e heroico Flamengo
Com dois gols do iluminado Gabigol, o Flamengo precisou de apenas 3 minutos para repetir a história exatos 38 anos depois, escrever uma bonita página na Libertadores e pintar a América de vermelho e preto
Até os 42 minutos do segundo tempo, o Flamengo mal tinha visto a cor da bola. Foi engolido pelo futebol envolvente do maduro e entrosado time dirigido pelo cerebral Marcelo Gallardo e comandado pela cadência de Enzo Pérez.
Javier Pinola foi outro destaque do River Plate, que venceria o bicampeonato consecutivo e o penta histórico da Libertadores sem sofrer, como se fosse algo natural, como o nascer do sol.
O timaço Millionario não deu a menor chance ao Flamengo e a certeza da inferioridade tática do futebol brasileiro ficou exposta como as veias abertas dessa América Latina.
Quem assistiu, principalmente o primeiro tempo, pode afirmar, com certeza, que o time de Jorge Jesus nada de braçada no Brasileirão, em razão da incompetência dos outros e não apenas por méritos.
Gallardo organizou seu time de maneira que os argentinos apareciam em vantagem numérica no meio-campo e no ataque. Além disso, o Flamengo não conseguiu ameaçar a defesa do River. Para piorar, aos 14 minutos, Gérson e Arão decidiram brincar de “deixa pra mim, que deixo pra você” numa final de Libertadores da América. Gol de Borré, como resultado da indecisão.
Antes do término dos 45 minutos iniciais, o River Plate pôde ampliar o placar em algumas oportunidades, mas falhou na pontaria e o 1 a 0 ficou barato para o time de Jorge Jesus, que torceu pelo apito final.
O que poderia ser o respiro necessário para o Flamengo ressuscitar na partida, serviu apenas para replicar tudo o que havia acontecido na primeira etapa: amplo domínio argentino, Rubro-negro acuado e um caminhão de oportunidades desperdiçadas por um River já cansado e até displicente em algumas finalizações.
Porém, o clima de “já ganhou” ficou claro nas substituições de Marcelo Gallardo. O experiente e vencedor técnico dos Millionarios, errou como juvenil ao tirar de campo as referências do ataque.
Do outro lado, forçado pela lesão de Gérson, mas com coragem para arriscar, Jesus mandou Diego a campo. Mais coragem ainda, o português teve quando Arão também sentiu a musculatura e ao invés de uma substituição conservadora, Jesus colocou Vitinho no jogo. Com essas duas alterações, o Flamengo controlou o meio-campo. Depois, o Mister precisou recompor a marcação com Piris da Motta no lugar do exausto Arrascaeta.
Enquanto as mexidas de Gallardo desconfiguraram o River e ainda contaram com o azar de Lucas Pratto, que perdeu uma bola no campo de ataque com o time desarmado e deu a possibilidade do empate rubro-negro; no Flamengo, Diego deu o lançamento para o gol da virada antológica.
Uma velha máxima do futebol diz que “final não se joga, se ganha” e outra diz que “decisão não tem justiça, tem campeão”; para as duas o Flamengo conseguiu dizer amém com um título dos mais improváveis dos últimos anos.
Um título gigantesco porque o melhor time das Américas arquitetado por Jorge Jesus, conseguiu vencer o River Plate, inclusive, no aspecto psicológico que normalmente é o calcanhar de Aquiles dos brasileiros nesses jogos.
Quando os argentinos sentiram que o bicampeonato estava garantido, Gabigol mostrou que outra máxima do futebol ainda vale: “o jogo só acaba quando termina”.
No primeiro lance, depois que Pratto entregou a posse de bola no ataque, uma saída rápida passou pelos pés dos três atacantes rubro-negros. Entrosamento espetacular da tríade ofensiva do Flamengo, bola de Bruno Henrique para Arrascaeta até a espetada de Gabigol. 1 a 1 aos 43 minutos.
Prorrogação à vista. Até que aos 46’08″, Diego lançou, o impecável Pinola pecou e deixou a bola ao bel-prazer de Gabigol para anotar a virada tão improvável quanto épica e dramática.
Impossível não recordar a final da Champions League de 1999, quando o Manchester venceu o Bayern de Munique por 2 a 1, com uma virada nos últimos 3 minutos de jogo.
Ainda houve tempo para o árbitro chileno Roberto Tobar expulsar Palacios, por agressão em Bruno Henrique, e Gabigol, para equalizar a forças no gramado.
No exato dia de aniversário do reverenciado título de 1981, quando a geração de Zico e companhia venceu o Cobreloa, no Centenário de Montevidéu, depois de duas sangrentas batalhas de deixar invejoso qualquer pugilista, esse Flamengo de Jorge Jesus conquistou seu primeiro título de Libertadores depois de 38 anos de espera, o segundo na história do clube.
Com essa coincidência, quem sabe não aconteça uma outra com o adversário do Mundial que pode ser o mesmo daquele 1981? A libertação de todas as dores rubro-negras aconteceu da maneira mais dramática, épica e heroica possível. Depois de 38 anos de peregrinação, foi em Lima, que a Nação encontrou, enfim, a Terra Prometida.
Quando tudo apontava para o impossível, o desempenho justificava a perda do título, o ânimo era de vice-campeão e o River Plate tripudiava soberbo como grande time da América, o Flamengo, em sua primeira vez na temporada como azarão, conseguiu uma virada para deixar seu torcedor em êxtase absoluto pelos próximos dias e iniciar o carnaval antecipado e sem data para acabar na Cidade Maravilhosa.
Não é justiça que o futebol procura, o esporte bretão não é tribunal e não se atreve a ser calculador. Futebol é como a vida, incerto, impreciso, cheio de arestas e, para a sorte do Flamengo e seu torcedor, repleto de 3 minutos de glórias.
O mar vermelho e preto que invadiu Lima e inundou o Monumental, vai voltar ao Rio de Janeiro de ressaca, mas de satisfação com a glória que conquistaram. Nos ombros da torcida e pelas mãos do Mister Jesus, o Flamengo está no topo da América.
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