Sociedade
Casos de abuso e trabalho análogo à escravidão ainda fazem parte da realidade atual
Entre 2017 e 2022, Ministério do Trabalho contabilizou 46 empregadas domésticas resgatadas; professora de Direito destaca direitos da categoria
Em meio à popularidade do podcast “A Mulher da Casa Abandonada”, que traz à tona caso de trabalho análogo à escravidão envolvendo família da elite paulistana e uma empregada doméstica nos anos 80 e 90, se mostra recorrente a necessidade de divulgação dos direitos garantidos a esses trabalhadores.
O crime que ganhou fama atualmente ocorreu há 20 anos nos Estados Unidos, mas não é incomum que casos semelhantes sejam divulgados até os dias atuais aqui no Brasil: dados do Ministério do Trabalho e Previdência informam que, entre 2017 e 2022, 46 trabalhadoras domésticas foram resgatadas de um cotidiano de abusos e serviço sem remuneração. Só em 2022 foram sete casos e, no mês de maio, repercutiu nacionalmente o caso de uma mulher de 86 anos resgatada no Rio de Janeiro após 72 anos sendo submetida a condições de trabalho criminosas.
Neste cenário, a docente do curso de Direito da Estácio, Danielle Medeiros, destaca que a ampla divulgação da legislação trabalhista, bem como saber onde é possível procurar ajuda, são imprescindíveis para combater casos de abusos como os citados.
“Infelizmente, em pleno avanço da tecnologia e do acesso ao conhecimento, ainda nos deparamos com o resgate dessas domésticas em trabalho análogo ao escravo. Por isso, nós, enquanto sociedade, precisamos ampliar a discussão sobre os direitos trabalhistas dessas profissionais e divulgar as redes de apoio para casos assim, seja promovendo palestras, distribuindo panfletos, realizando rodas de conversa ou lives”, analisa a especialista.
Danielle informa que há canais online que podem ser utilizados pelas vítimas, como o sistema de coleta de denúncias no site do Ministério Público do Trabalho e a página da central de atendimento do Ministério do Trabalho e Previdência, que também conta com o telefone 158 para contato.
Direitos da categoria
Comemorado nesta sexta-feira, 22 de julho, o Dia Internacional do Trabalho Doméstico foi estabelecido há 95 anos, nos Estados Unidos, para valorizar a categoria que envolve não apenas a pessoa que cuida da limpeza e organização da casa.
No Brasil, apenas em 2013 com PEC das Domésticas, é que a categoria profissional de trabalhadores domésticos conquistou certa igualdade com os demais trabalhadores urbanos e rurais. Mas alguns direitos, como os relativos aos depósitos e multa do FGTS, só foram regularizados com a Lei Complementar nº 150/2015 (LC 150/2015), que estabeleceu o sistema Simples Doméstico (eSocial Doméstico) como obrigatoriedade legal a todos os empregadores domésticos.
De acordo com a legislação, entende-se por empregado doméstico aquele que presta serviços de forma contínua – por mais de dois dias por semana – de forma subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. Dessa forma, profissões como cozinheira, babá, chofer, governanta, cuidadora de idosos, jardineiro, dentre outras, também podem estar incluídas na categoria.
A advogada pontua que todos esses trabalhadores devem ser contratados, de forma obrigatória, com registro via assinatura de Carteira de Trabalho (CTPS).
“A assinatura da carteira de trabalho é uma garantia para o empregado doméstico de direitos como o salário mínimo ou piso estadual, uma jornada de trabalho de até oito horas diárias ou 44 horas semanais, seguro contra acidentes de trabalho, hora extra, adicional noturno, pagamento de 13°, repouso semanal remunerado, férias, FGTS, vale transporte, seguro-desemprego, licença maternidade e outros benefícios”, garante a advogada citando a legislação.
Além disso, é vedado ao empregador efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, bem como por despesas com transporte, hospedagem e alimentação em caso de acompanhamento em viagem.
Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE, no quarto trimestre de 2021, 76% dos trabalhadores desse ramo não possuíam carteira assinada. Na prática são quatro milhões de pessoas na informalidade, e as mulheres representam a maioria (92%).
Entretanto, caso haja comprovação do vínculo empregatício, a advogada pontua que há como recorrer aos direitos perdidos durante os anos de trabalho que deveriam ter sido formalizados. “Pode se buscar reconhecimento de todo período de vínculo, com o pagamento das verbas trabalhistas nos últimos 5 anos, bem como, o pagamento de indenização em caso de dano moral, se houver comprovação”, afirma Danielle.