Mobilidade
Recife, o pior trânsito “em linha reta” do Brasil
A história da cidade, o crescimento da frota na última década e até o calor contribuem para o pior congestionamento do país no horário de pico. Prefeitura desenha plano para atacar o problema
O superlativismo pernambucano é uma piada até entre os nativos do Estado. O “maior museu de armas brancas do mundo” ou a “maior via em linha reta do Brasil” são, por exemplo, como se referem ao Instituto Ricardo Brennand e à avenida Caxangá, respectivamente. Mas, em meio a tantos superlativos, a capital pernambucana também ostenta pódios negativos: um dos piores trânsitos do país.
A mobilidade urbana é uma questão enfrentada pelas grandes cidades em todo o mundo. Não é uma particularidade de determinadas regiões brasileiras ou de países subdesenvolvidos. Mas, no caso do Recife, algumas peculiaridades devem ser levadas em conta para explicar esse problema. A primeira é de cunho histórico, como explica Leonardo Meira, professor do departamento de engenharia civil na área de transportes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Recife é uma das cidades mais antigas do Brasil [fundada em 1537], e as ruas que foram projetadas para as carroças hoje comportam carros”, diz. “Há um problema de espaço”.
As vias que antes serviam para ligar os engenhos aos rios Capibaribe e Beberibe, para o escoamento do açúcar pelo mar, entre os séculos 16 e 18, hoje são praticamente as mesmas. “Você não tem largas avenidas. Aqui você tem a [avenida Governador] Agamenon Magalhães e Agamenon Magalhães”, brinca Meira, sobre uma das principais vias da cidade, que liga o centro à zona Norte. A diferença é que, ao invés de algumas carroças com sacas de açúcar, hoje o município tem uma frota de quase 700.000 veículos. E mais de 1,6 milhão de habitantes.
Isso sem contar a circulação que vem dos municípios da Região Metropolitana do Recife (RMR). Como as 15 cidades que formam a RMR são muito próximas uma das outras – Olinda, por exemplo, mais parece um bairro do que outro município –, a circulação de carros é intensa na capital. Ao todo, a RMR tem pouco mais de 1,3 milhão de veículos e cerca de 4 milhões de habitantes. Muitos desses veículos circulam diariamente pelo Recife, aumentando ainda mais a frota local.
“A nossa surpresa foi a intensidade com que as pessoas se referiram à falta de respeito no trânsito”, diz Schreiner. De fato, a amabilidade do pernambucano parece que fica da porta para fora do automóvel
Sideney Schreiner, secretário executivo de Planejamento da Mobilidade do Recife, explica que a maneira como a população da RMR é distribuída também deve ser levada em consideração. Isso porque apenas metade dos habitantes de toda a Região Metropolitana vive na capital. “Normalmente, a maioria das pessoas habitam o núcleo das regiões metropolitanas”, diz. “Aqui é diferente”. Como muita gente vive nas outras cidades, mas acaba indo para a capital diariamente, isso gera uma sobrecarga nos sistemas viários, que foram projetados levando em conta somente a população recifense. “O metrô e o BRT [o sistema de ônibus da cidade], por exemplo, atendem basicamente somente à população do Recife”.
Soma-se a essas questões a paixão do brasileiro pelo automóvel. “Como em todo o país, as pessoas gostam de automóveis”, diz Leonardo Meira. “Junto com o crescimento econômico do Brasil, a frota do Recife mais do que duplicou entre 2008 e 2013, como em todo o país”. A quantidade de carros na cidade começou a aumentar no início dos anos 2000, tendo o auge de crescimento em 2010, com 10% de aumento. Depois disso, o crescimento foi sendo gradualmente menor, mas nunca negativo. No ano passado, segundo o Detran de Pernambuco, o aumento foi de 1,8%.
Mas nem só por paixão rodam os automóveis. Os índices de segurança públicatambém colaboram para essa cultura. No ano passado, os homicídios aumentaram 21% em Pernambuco, deixando 2017 no topo dos anos mais violentos no Estado desde 2004. “Muitas vezes, a pessoa vai de carro para locais próximos, como uma padaria, por medo de ser assaltada”, diz Meira. “Mesmo os bairros de classe A e B são inseguros”. E, para coroar, o clima local, com temperaturas médias na casa dos 30 graus durante o ano inteiro, torna o deslocamento a pé quase inviável durante o dia. E tudo isso gera uma bola de neve, que piora ainda mais a mobilidade na cidade. “As pessoas evitam andar a pé por causa do clima e da insegurança. Ao não andar a pé, as calçadas ficam mais vazias e assim, mais inseguras”, conclui Meira.
Plano de mobilidade
Em meados de 2015, a Prefeitura começou a formular um novo plano de mobilidade. O primeiro passo, explica Sideney Schreiner, foi ouvir a população. Nas audiências, temas muito lembrados foram a falta de infraestrutura cicloviária, sombreamento e iluminação nas vias e o aumento das faixas exclusivas de ônibus, chamadas aqui de faixas azuis. Mas o que chamou a atenção de Schreiner não foram as reclamações por falta de ar condicionado nos ônibus ou a condição das calçadas – muito ruim, inclusive nos bairros de classe média e alta. “A nossa surpresa foi a intensidade com que as pessoas se referiram à falta de respeito no trânsito”, diz Schreiner.