Cultura
Funk, K-pop e o futuro da cultura no Brasil
O Funk brasileiro e o K-pop podem ter mais em comum do que você pode imaginar, mas a principal diferença entre esses dois gêneros é uma: o investimento governamental do país
Por: Aimmeé Araújo e Richardson Souza
Desde o Gangnam Style de Psy, que foi febre mundial em 2012, ao Dynamite do BTS, indicado ao Grammy 2021, o K-pop mostra que furou bolhas no ocidente e veio para ficar. Já no Brasil, o Funk Brasileiro também está fazendo seu nome, mas a diferença gritante entre esses dois gêneros com tanto potencial é uma: a forma como o Governo lida com a sua cultura e as consequências disso.
A dominação global do K-pop
Grande número de pessoas por ‘banda’, formadas normalmente apenas por um gênero só, funções e estéticas bem definidas e, claro, tudo milimetricamente pensado para viciar. Essas são algumas características desse estilo musical que vem tomando o mundo. O K-pop, abreviação de Korean Pop (em português, música popular coreana), é o abraço em influências externas para criar sua própria identidade sonora e visual.
Como a Coreia do Sul fez do K-pop o que é hoje?
Rendendo mais de US$ 4,7 bilhões ao ano, o sucesso desse som não aconteceu por um acaso do destino, isso é resultado da aposta de 20 anos do governo da Coreia do Sul na cultura. Em 1998, para ajudar a espantar a Crise Econômica Asiática, que afetou muito o país, o governo passou a turbinar sua indústria criativa. O Ministério da Cultura teve verba reforçada e ganhou um setor dedicado à cultura popular, depois apelidado de “departamento de k-pop”. Eles saíram de uma postura moralista e conservadora, que até censurava músicas, passando a apoiar artistas com subsídios e promoção de festivais.
O Departamento de K-pop foi longe. Euny Hong, autora do livro ‘The Birth Of Korean Cool’, conta numa entrevista em 2015 para a rádio americana, NPR, como o poder público age diante da cultura. “Acontece que o governo coreano trata sua indústria de K-pop da mesma forma que o governo americano trata sua indústria automobilística e bancária, o que significa que essas são indústrias que precisam ser protegidas”, disse Euny. Isso inclui fazer coisas como construir enormes auditórios para shows de vários milhões de dólares, refinar a tecnologia de hologramas e até mesmo ajudar a regular os bares de karaokê para proteger os interesses das estrelas do K-pop.
“Eles queriam que a Coreia do século XXI fosse como a América do século XX, onde a América era considerada tão universalmente legal que qualquer coisa feita na região seria automaticamente comprada”, conta Hong. O que deu certo, pois, a partir disso, o país passou de 30º a 6º maior mercado de música do mundo de 2007 a 2017.
Colocando em perspectiva os investimentos nacionais, a Coreia do Sul investe anualmente cerca de R$ 6,4 bilhões (1,89 trilhão de wons); enquanto no Brasil, em 2018, antes da extinção do Ministério da Cultura, foram investidos R$ 1,9 bilhão. Observar o exemplo da Coreia do Sul, não te faz imaginar o que poderíamos ser?
E o Funk Brasileiro?
A história do Funk é marcada por perseguições políticas e preconceito. Ainda na década de 1980, durante a ditadura militar, os bailes eram investigados pela polícia federal. “95% das pessoas que iam aos nossos bailes eram negros, então levantava suspeitas da Polícia Federal. […] Chegamos a ser chamados no Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS). Eles achavam que ia ter uma revolução de negros no Rio de Janeiro. O funk era discutido na Secretaria de Segurança […] Chegamos a ter o Funk proibido”. É o que diz Rômulo Costa, proprietário da Furacão 2000, em entrevista ao Instituto Itaú Cultural.
Nos mais de 30 anos de Funk, a cena cultural que envolve o ritmo mudou bastante. As constantes proibições fizeram os bailes subirem os morros do Rio. Hoje, é mais comum que eles aconteçam na rua mesmo (e sem regulamentação) e a música se firmou no cenário nacional assimilando outros estilos. Hoje temos o Funk 150 bpm e 170 bpm (bem mais acelerados que o tradicional), Rave Funk, Brega Funk, Funknejo e a lista só aumenta. Mas enquanto a indústria musical lucra em cima da cultura funk, quem movimenta a cena nas favelas – o berço disso tudo – é perseguido pelo Estado. Quem vive nas comunidades e vai aos bailes na rua faz isso em meio a uma guerra entre Polícia, Milícia e Traficantes.
Rennan da Penha e a criminalização do Funk
O Estado brasileiro negligencia os moradores de favelas desde sempre. Faz isso porque além dessas pessoas serem pobres também são pretas, em sua maioria. E em meio a pobreza, quando o Estado racista não se faz presente e não dá as mínimas condições de vida digna enquanto o meio social alimenta a compulsão pelo consumo, surge espaço para o delito. A vida marginal. Facções criminosas tomam o espaço que deveria ser do governo e dão perspectivas de uma vida melhor, mesmo que com graves consequências.
A sociedade associa crime à cor da pele e classe social, por isso quem é de fora vê a favela e suas manifestações culturais como “antro de bandidagem”. A exemplo da criminalização do funk o Dj e Produtor Rennan da Penha, organizador do Baile da Gaiola, o maior do país, foi acusado de associação ao tráfico por causa de um vídeo onde cumprimenta um traficante. Um post no Facebook, onde avisa que a polícia está fazendo operação na comunidade, e uma foto em que segura uma arma – que ele afirma ser de brinquedo. Em 2016, ele já havia sido acusado pela mesma coisa e foi absolvido por falta de provas. O caso de Rennan ilustra a truculência da Polícia ao chegar nas comunidades, o racismo institucional que pressupõe culpa quando o réu é negro e o racismo estrutural que fez a opinião pública taxá-lo como culpado mesmo sem sentença.
Em 2017, o Senado chegou a analisar um projeto de Lei, com mais de 20 mil assinaturas, que buscava a condenação do funk como crime de saúde pública. Condenar um ritmo que apenas no Rio de Janeiro movimenta cerca de R $127 milhões por ano, de acordo com uma pesquisa da FGV de 2009. O Funk é uma manifestação cultural legítima, gera renda e empregos em todo o Brasil.
E o que tem a ver com K-pop?
A Crise Econômica Asiática (1997), que fez a Coreia do Sul investir em cultura e criar o K-pop, teve consequências globais. Também afetou o Brasil que, com o Plano Real, estava se recuperando da hiperinflação da década anterior. Enquanto os coreanos estavam desenvolvendo um produto que os faz lucrar bilhões e está causando uma revolução cultural, o Brasil já tinha um extremamente potente que chegou muito longe sem incentivo algum.
O funk se tornou sozinho uma fonte de renda para as comunidades: desde o vendedor de água ao DJ do baile; aos técnicos de som; aos dançarinos. Criou empregos interdependentes e uma válvula de escape da violência dentro das favelas. Criou perspectivas de futuro para a juventude, tudo isso sem investimento governamental. E ao invés de tentar regulamentar os bailes, levar segurança aos moradores ou investir em infraestrutura para a manutenção do pouco lazer dessa população, o Estado prefere deixar que o tráfico comande as comunidades e leve jovens ao crime, à morte. Manda a polícia, que atira 80 vezes antes de perguntar, até lá. Reproduzindo os mesmos processos de violência sofridos pelo samba no século passado, ambos movimentos que vieram de pretos, favelados e que quando toca ninguém fica parado. A pergunta final que fica, é a seguinte: E se o Brasil tivesse um projeto nacional de fomento à cultura inspirado pelo K-pop? A resposta? só podemos imaginar.