Sociedade
LUTO: Quando somos forçados a dizer adeus
É comum não lidar bem com perdas, sejam de familiares, amigos, ou pessoas em que passaram por um período tão breve em nossas vidas, mas a despedida nem sempre é escolha nossa
Em 2019, exato um ano atrás, pude participar de uma das experiências mais significativas da minha vida, o que julguei naquele momento ser apenas no campo acadêmico-profissional, mas eu estava errada. O projeto Trilhas Potiguares foi muito mais do que uma experiência avassaladora, conheci pessoas e lugares incríveis, mas quando a conheci… Senti algo diferente. Na última sexta-feira (3), recebi uma captura de tela que dizia que aquela senhora que tanto me cativou, havia entrado para as estatísticas entre mortes que podem ter sido ocasionadas pelo covid-19, ela passou um tempo internada em Natal, devido a um problema de saúde alguns dias antes. Francisca Medeiros Lopes, conhecida popularmente em São João do Sabugi como Chica Lopes, se foi. A artesã era referência local, certificada e reconhecida em 1998 pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura como figura de extrema colaboração para a educação e cultura da sua comunidade, pelos diversos anos de contribuição de manifestações folclóricas em suas peças e engrandecimento e resgate do acervo cultural municipal.
Chica Lopes nos recebeu em sua residência e nos contou sua história, nos mostrou seu trabalho e falou de suas diversas dificuldades, seu olhar triste mostrava todas as suas inseguranças, e de certa forma, até infelicidade. Mas ela não era uma pessoa triste, ela nos falou sobre o que gostava de fazer quando mais nova, falou do seu antigo lar localizado na Paraíba, mas sobretudo, falou sobre todo o amor que tentava transmitir no seu trabalho que ficava exposto em uma sala de sua casinha, no centro de São João do Sabugi, onde residia sozinha. E foi sobre todos os sentimentos que ela carregava no peito que passamos ali horas a ouvindo atentamente. Eu, Victória, fui uma das que mais me senti afetada em conhecê-la, mas as meninas, que comigo estavam, não ficaram muito atrás.
Era com dor que ela nos falava repetidas vezes: “se eu parar de fazer [artesanato], eu morro!”, e pensando agora, ela tinha razão… Somos como máquinas e algumas coisas fazem nossas engrenagens persistirem a trabalhar. Mas é importante lembrar que todos nós estamos de passagem, e é por isso que temos que fazer o que nos faz bem, o que amamos de verdade.
Em meio a tempos difíceis como esses que estamos vivendo, fico extremamente feliz de ter conhecido uma pessoa como Chica Lopes, que com sua humildade, dedicação e afeto, conquistava as pessoas em que a visitavam e levavam lembrancinhas, que foram feitas com muito amor por essa artesã que fez meu coração se aquecer com a simplicidade e carinho em que nos recebeu. Lembro-me de encarar o seu certificado de 98, em que citei em uma parte anterior desse mesmo texto, e ela então passou a explicar sua dificuldade de locomoção e esquecimento de algumas coisas, ocasionados pela idade e problemas de saúde.
Seu tom de voz era de descrença quando chegamos em sua casa, e foi de certa forma uma surpresa para nós, ela achava que estávamos brincando com ela, ela não acreditou quando dissemos que queríamos conhecê-la e conhecer mais sobre seu trabalho. Falamos que não queríamos incomodar-lhe, mas que ficaríamos até ela contar tudo, e foi assim que rimos e a ouvimos durante minutos, horas… Não sei ao certo quantas, pareceu tão breve, estávamos tão presas a Chica Lopes, que até descobrimos naquele dia que ela gostava muito de dançar quando podia, antes dos seus problemas de locomoção e como ela dizia para nós “quando era mais mocinha”. Mas não apenas isso, descobrimos que ela detestava fotos, se achava feia e que iriam rir da sua aparência, felizmente ela se sentiu mais à vontade para fotos no segundo dia em que estivemos com ela, em algumas ela quase sorriu, nos sentimos de certa forma, diferenciados.
A finalidade deste texto é lembrar de tudo o que dona Chica representava e que ainda representa, sua arte será sempre lembrada, tenho certeza. Gianotti Lucena, artista plástico sabugiense, firmou o compromisso, a arte de Chica não morre, vai para onde ele for. E eu acredito muito nisso. Mesmo que Chica tenha parado, sua arte é eterna, seja em lembrancinhas guardadas cheias de amor nos cômodos de nossas casas, seja a lembrança em nosso âmago. Chica está descansando, mas sua arte ainda está entre nós, e é isso que temos que guardar.
Mensagens
Em março, 13 semanas atrás, estava eu através das redes sociais enviando-a uma mensagem, sonhando com a possibilidade dela receber, mesmo que de forma indireta por terceiros. Parte da publicação dizia assim: “Foi muito importante para mim conhecê-la, não apenas como uma -quase- jornalista, mas como pessoa. A senhora [Chica Lopes] me mostrou a importância da simplicidade e me fez notar amor nas pequenas coisas. E eu achava que já tinha esse olhar antes, mas erro meu.” E prossigo: “que São João valorize cada dia mais a sua arte! Que seus artesanatos sejam identificados como um pedacinho da senhora que transborda cuidado e afeto, como de fato é.” E era sobre sua arte com amor e vida que eu estava tentando falar, ainda há vida, pois ainda há arte em cada peça em que fora tocada e produzida por Chica Lopes. E é nesse amor às pequenas coisas que me apegarei, assim como Chica nos ensinou, de forma tão simples e tão breve. Devemos valorizar nossa arte e enxergamos amor na simplicidade, e amar… Sempre amar!
E não poderíamos deixar de desejar forças para todos os parentes e amigos da Chica, a perda é sempre imensurável. Com isso, algumas pessoas de nossa equipe do ‘Trilhas Potiguares – São João do Sabugi’ resolveram deixar suas mensagens:
“Lembrar de dona Chica é falar de amor, cuidado e arte. Ela que nos recebeu de braços abertos em sua casa e a cada história contada vinham ensinamentos que só quem desfrutou da vida pode dar. O amor transcendia Dona Chica e as poucas manhãs que passamos em sua companhia parecia que já tínhamos criado um laço de anos. Esse amor que ela exalava também na arte, se percebia o cuidado e afeto que ela depositava em cada, e que fazia que quem tivesse uma peça dessa exímia artesã também trouxesse um pouco dela para casa. Dona Chica deixará muita saudade e quem teve o privilégio de conhecê-la só levará boas memórias consigo. Descanse em paz e meus pêsames a todos e todas que sentem essa perda” diz Gabriella Macêdo, estudante de Psicologia e trilheira.
“Guardo com carinho as suas palavras, seu jeito e sua arte, na minha caixa de lembranças e no meu coração! Meus sentimentos a todos da família e que Deus possa confortá-los”, Amanda Medeiros, estudante de Dança e trilheira.
“Te conheci em um dia e você transformou a minha vida inteira
No seu olhar enxerguei vida e na sua história esperança. Sou eternamente grata!
Queria que o mundo te conhecesse assim como eu tive o inestimável prazer de conhecer e entender o real significado da palavra ‘amor’.
Descanse em paz Dona Chica. És semente em meu coração que brota e se renova a cada dia!” enfatiza Bruna Vanessa, formada em Ecologia e trilheira.
Para ler a matéria de 2019 do Projeto Comtrilhas sobre Chica Lopes, clique aqui.