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Opinião

A moça livre na quarentena

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Ela costumava sorrir quando atravessava a rua. Era um riso bem frouxo e espontâneo que trazia certa leveza no ar. Seus olhos carregavam disposição e destreza. A alegria era como uma chuva de energias que transbordava pelo seu rosto, descia até a ponta dos dedos -que seguravam sua saia plissada verde de um lado para o outro- e chegava aos seus pés, que saltitavam desde o meio fio até o lugar onde comprava seu café forte e amargo diário.

Ela queria. Queria o mundo, queria salvar almas perdidas e preces nunca escutadas. Ela desejava. Desejava beijos, abraços e cartas recheadas de sentimentos nunca descritos ou pintados por artistas consagrados. Ela queria que a noite fosse mais estrelada que a mente de Van Gogh algum dia conseguiu transmitir, queria melodia tão bela que Nina jamais saberia musicar… ela era verso de Vinícius na voz de Tom acompanhada pelo violão de João.

Ela era brisa carioca e furacão paulistano. Era dendê oferecido a orixás e contas de rosários à Fátima. Ela era caos e paz e demonstrava em sua alegria que, por sorte ou não, conseguia enxergar como o amor poderia resolver tudo.

Ela queria ser o riso atrás do bigode de Leminski, queria ser o copo que Bukowski tomaria várias doses numa única noite, queria ser o moulin rouge, o blues na voz de Simone e o grito de a time goes by. Para a donzela de olhos mais promíscuo que os de Capitú e mais petrificantes que os Medusa, fantasma algum a faria perder tempo, mesmo se fosse para vingar a morte de seu pai… vingança não era de seu feitio.

A moça gostava de como o suor descia de seu corpo ao dançar um belo samba no morro, ao tomar o tacacá mais quente que o dendê do pelô. Ela gostava de como a vida passava rápido e ela aproveitava cada fase de sua mente, corpo e coração, vivendo cada pausa, cada sentimento, cada emoção. Mesmo trancada em casa, de máscara em plena inquisição.

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