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Cultura

O Cara do Natal

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As delícias e (algumas) dores de representar o personagem icônico em um shopping center

“Pra ser um bom Papai Noel, tem que ter muito amor, carinho e dedicação” (Foto: Valcidney Soares)

Era final de tarde em Mossoró e a noite já se avizinhava naquele 16 de novembro, um sábado. No ar, o clima diferente que preenchia o ambiente prenunciava que algo aconteceria em breve. Em instantes, num espaço repleto de crianças segurando seus balões vermelhos e acompanhadas pelos pais, um convidado estava prestes a ser recebido. “Vou contar um segredo só para vocês, certo? O Papai Noel está chegando”, anunciava o funcionário do shopping, antevendo a animação dos pequenos. 

Do lado de fora do estabelecimento, o personagem mais famoso do Natal não chegou em seu tradicional trenó. Ao invés disso, o velhinho desembarcou da carroceria de um charmoso Chevrolet 3800 verde musgo, produzido em 1954, ao lado da noelete, do perna de pau e toda a trupe. Cabelos coloridos de vermelho e verde, roupas alegres, adereços chamativos e muita maquiagem faziam parte da indumentária dos assistentes que pretendia captar a atenção dos miúdos.   

Por trás da célebre figura está um senhor de 58 anos. Paulo Jorge da Silva é um homem alto e simpático, que tem três filhas e quatro netos. Natural de São Rafael, distante a 216 km de Natal, saiu de sua cidade de nascença nos anos 1970 rumo à Brasília. Na capital federal, formou família e permaneceu durante três décadas até voltar ao interior potiguar, já divorciado, para cuidar dos pais. Há 15 anos, adotou Mossoró como moradia e encontrou outra companheira, “uma boa esposa, uma boa mulher, uma boa namorada numa só”, com quem convive hoje.  

Encarnando o personagem desde 2017, o convite veio durante um festival de música na Estação das Artes, tradicional local de eventos da capital do oeste potiguar. A barba branca e volumosa (“100% original”) chamou a atenção de uma administradora do shopping, que o convidou para atuar como o “bom velhinho”. Aceitou prontamente, e lá se vão três anos em que se dedica a transmitir o espírito natalino. 

Sai o banco do motorista, entra o trono

A partir de novembro, o dia a dia de Paulo muda. Motorista de táxi há 40 anos, ele faz linhas de viagens entre Mossoró e Natal. Mas, com a proximidade dos festejos de fim de ano, deixa o carro de lado para se entregar à magia.

Paulo Jorge da Silva vive o Papai Noel do Shopping de quinta à domingo (Foto: Valcidney Soares)

A rotina do Papai Noel começa cedo. Às 7h, Jorge se levanta da cama e faz alguns exercícios físicos, como caminhada, para encarar o trabalho da melhor forma. O cuidado com a alimentação é redobrado nesse período: busca se alimentar com frutas, deixa a bebida de lado e evita sair para algumas festas, tudo para se manter saudável para as crianças e adultos que o procuram na Estação do Noel.

Agora avança o calendário. Estamos em 5 de dezembro, uma quinta-feira, em mais um dia quente no oeste potiguar. Com seu bom humor e fala desembestada, Jorge diz que chega ao shopping geralmente às 14h e começa a preparação uma hora depois. Na mala que leva com os objetos que utiliza, estão dois uniformes (um pesado e outro leve), luvas e materiais de cuidado pessoal. Aliás, os longos cabelos grisalhos que carrega embaixo do queixo exigem um zelo especial. Depois de pentear a barba, ele usa alguns produtos para manter os pelos brancos e macios. Afinal, as crianças não têm papas na língua se percebem algo de estranho no bom velhinho. “As pessoas te abraçam para te cheirar, te sentir, então tem que estar bem cuidado”.

Às 15h53, já com as vestes características e com a touca no lugar de um dos bonés que costuma usar, ele sai da sala em que se arruma no andar superior do shopping e pega o elevador em direção ao térreo. Ali, Paulo Jorge da Silva não existe mais. Em seu lugar, assume protagonismo o Papai Noel, esposo da Mamãe Noel, eterno símbolo de carinho e figura central, no Ocidente, do nascimento de Jesus.

Com os pés cravados no primeiro piso do hall de lojas, o Noel ruma com destino ao seu “Polo Norte nordestino”, sem a neve característica e certamente com temperaturas bem diferentes do gélido Ártico. Numa cidade que passa dos 30º até de noite, seu principal refresco durante as horas de trabalho são os aparelhos de ar condicionado espalhados pelo shopping. Com o sino tilintando por onde passa, é abordado por transeuntes e requisitado para algumas fotos até chegar à sua poltrona 11 minutos depois. 

Segundo Paulo, o trabalho ““é mais gratificante do que cansativo” (Foto: Valcidney Soares)

Ferrari, Corolla e namorado coreano

Se hoje a garotada é fascinada por celulares e notebooks, o Papai Noel do Partage Shopping Mossoró diz que a maioria dos pedidos ainda são de brinquedos comuns, como bolas, bonecas, carrinhos e, às vezes, até um abraço. Porém, alguns são mais inusitados. “Já teve pedido de Ferrari, Corolla, de namorado da Coreia, aí eu perguntava se era do Sul ou do Norte”, brinca o quase sexagénario. Nessas horas o jogo de cintura entra em cena: ‘A gente vai sorrindo, atendendo e dizendo ‘Ho ho ho, feliz natal!’ para conformar todos eles”, afirma.

Por outro lado, nem todas as situações deixam o velhinho alegre. Paulo relembra dois momentos em que precisou conter os sentimentos: a primeira, uma criança que estava toda enfaixada por conta de um problema de saúde na pele. “Como estava havendo uma peça no shopping, eu pensei que era algum personagem, mas quando chegou para fazer foto comigo, vi que era realidade”. 

A segunda ocasião foi com uma menina que possuía uma deformação na face. “Negra, uma pele muito bonita, olhos lindos”, como descreve, “ela veio, me abraçou e falou que era a primeira vez que tinha saído de casa para vir no shopping em 11 anos”. O motivo? A garota só saía de casa para ir ao hospital, e tinha pedido ao médico para liberá-la para poder ver o Papai Noel pela primeira vez na vida. “Isso me chocou muito, e me deixou emocionado”, confessa. “Tive que me controlar para as lágrimas não caírem”. No alto de seus 1,85 m, a única coisa que distancia Paulo Jorge do papel em que dá vida talvez seja o peso. Com cerca de 85 kg, o motorista carrega uma barriga tímida, longe da enorme pança cultivada pelo imaginário popular. Isso não impede que até em períodos fora da época do Natal ele seja reconhecido como intérprete do “Santa Claus”. Nas ruas, Silva é abordado mesmo sem portar o traje. “Algumas pessoas dizem que com a fantasia de Papai Noel, eu sou o Papai Noel, e sem a fantasia de Papai Noel, eu pareço com o Papai Noel”, diz ele, enfatizando os verbos para demonstrar a similaridade com o “bom velhinho”.


Sem fronteiras: Paulo já passou pelo nordeste, sudeste e centro-oeste interpretando o personagem e, no sul, recebeu convites para Caxias do Sul e Gramado, a “Meca” do Natal (Foto: Valcidney Soares)

O trabalho sazonal, ainda assim, trouxe uma mudança no taxista Paulo. Segundo ele, a jornada encapando as roupas vermelhas e botas pretas o deixaram “menos bruto, menos mal educado”, ao mesmo tempo em que passou a enxergar “as pessoas com mais amor”. 

E, se você acha que o período curto de emprego rende pouca grana, está enganado. Silva não revela números, mas diz que o salário é bom. “O que um taxista ganha durante o ano todo, eu ganho em dois meses”, afirma. Se nos últimos anos os Papais Noéis proliferaram nos centros comerciais, a expectativa é que o êxito continue. Afinal, Jorge comenta, o personagem “é como Roberto Carlos: nunca vai deixar de ser feliz e fazer sucesso, é o cara!”.

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